O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos nesta quinta-feira (17) para tornar obrigatória a implementação da figura do juiz das garantias pelas instâncias inferiores da Justiça.
Após nove sessões de julgamento, o julgamento foi suspenso após o voto do ministro Edson Fachin e será retomado na próxima semana.
Embora tenham definido que a adoção do mecanismo será obrigatória, os ministros ainda discutem uma espécie de prazo de transição para implementar o mecanismo em todo país. Nos votos, foram propostos 12, 18 e 36 meses para a adoção do instrumento.
O juiz das garantias foi instituído pelo pacote anticrime, aprovado pelo Congresso em 2019. Um ano depois, a implementação, no entanto, foi suspensa por decisão do ministro Luiz Fux.
Essa figura (entenda mais abaixo) é representada por um magistrado que acompanha e verifica a legalidade das medidas tomadas pela polícia e o Ministério Público ao longo das investigações.
Estão em discussão temas como as regras do arquivamento de inquéritos, atribuições do juiz das garantias, formato de realização de videoconferências e procedimentos para prisões em flagrante.
Quando o caso é enviado à Justiça, esse juiz dá lugar a um novo magistrado, que atua no julgamento propriamente dito.
Até esta quinta, 7 ministros da Corte se posicionaram (veja mais abaixo):
- contra a obrigatoriedade: o relator, ministro Luiz Fux
- a favor da obrigatoriedade: ministros Dias Toffoli, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Edson Fachin
Ainda restam os votos dos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
Votos
Relator do caso, o ministro Luiz Fux foi o primeiro a votar. Ele entendeu que alguns trechos da lei são constitucionais, mas propôs fixar entendimentos em outros dispositivos.
No voto, Fux defendeu que a legislação seja interpretada, para que não seja compulsória a criação do juiz de garantias em todo país. Também argumentou que:
- a criação da figura viola a competência do Supremo de propor lei de criação ou mudança nas regras do Estatuto da Magistratura
- e que o juiz das garantias fere o pacto federativo, o devido processo legislativo e a competência dos tribunais para organizar suas unidades
Na última semana, foi a vez de os ministros Dias Toffoli e Cristiano Zanin apresentarem os votos. Eles defenderam a implementação obrigatória do sistema, mas votaram para estabelecer um prazo para a criação de até 12 meses, podendo ser renovável por mais um ano.
Toffoli propôs, ainda, limites para a atuação do juiz das garantias:
- prazo de 30 dias para que o Ministério Público informe à Justiça sobre procedimentos de investigação abertos
- estabelecer que o sistema não funcionará em processos que começam nos tribunais, nos tribunais do júri, casos de violência doméstica e processos criminais da Justiça Eleitoral
- limitar a atuação do juiz das garantias ao momento do oferecimento da denúncia
Cristiano Zanin discordou de Toffoli em relação aos limites de atuação do mecanismo. Ele defendeu que:
- o juiz das garantias funcionará nos casos do tribunal do júri, nos casos de violência doméstica, nas ações na Justiça Militar e nos processos criminais da Justiça Eleitoral
Entre quarta (16) e quinta (17), outros três ministros se posicionaram para tornar obrigatória a adoção do mecanismo: André Mendonça, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Edson Fachin. Além disso, defenderam:
- André Mendonça:
Prazo de 12 meses, com possibilidade de renovação por igual período, para implementar a figura.
Propôs também prazo de 90 dias para que o Ministério Público informe à Justiça sobre procedimentos de investigação abertos.
- Alexandre de Moraes:
Prazo de 18 meses para adoção do mecanismo e restrição da atuação aos processos criminais da Justiça Eleitoral.
Prazo de 36 meses para implementação, mas sinalizou que pode aderir à proposta de 12 meses apresentada por Toffoli.
Limite para a atuação da figura nos casos de crimes do tribunal do júri, sem participação em processos criminais da Justiça Eleitoral.
O ministro acompanhou a proposta de Toffoli para determinar um prazo de 12 meses para a implementação do mecanismo.
Acordo de não-persecução penal
No julgamento, os ministros também validaram trechos questionados do acordo de não-persecução penal, que impede o investigado de ser levado a julgamento e ir à prisão.
Pelo mecanismo, antes da denúncia, o Ministério Público pode oferecer ao investigado um acordo no qual ele confessa o crime.
O chamado ANPP é aplicado nas situações em que o crime é cometido sem violência ou grave ameaça e tem pena mínima inferior a 4 anos.
Ao selar o acordo, o investigado se compromete a reparar o dano cometido. Em troca, o MP pode determinar prestação de serviços à comunidade, pagamento de multa, ou ainda outra condição.
O instrumento havia sido incluído na lei do juiz das garantias pelo pacote anticrime. Antes, o instrumento era regulamentado por uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Entre os pontos questionados, estavam as possíveis condições a serem impostas pelo MP ao investigado ? como prestação de serviços à comunidade e pagamento de multa.
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Histórico
A figura do juiz das garantias foi incluída pelo Congresso no pacote anticrime, aprovado pelos parlamentares em 2019.
Quando decidiu pela suspensão, em 2020, Fux apontou, entre outros pontos, que:
- a proposta de lei deveria ter partido do Poder Judiciário, já que afeta o funcionamento da Justiça no país;
- e a lei foi aprovada sem a previsão do impacto orçamentário dessa implementação de dois juízes por processo.
Após suspender a implementação da figura, Fux realizou uma audiência pública para ouvir especialistas de diversas áreas sobre o juiz das garantias..
As questões sobre a nova figura a atuar no processo penal giram em torno de sua aplicação:
- se será preciso, por exemplo, criar mais cargos para atender a demanda nos estados;
- se a medida é aplicável em todas as instâncias;
- e se vale para processos já em andamento.
As ações de entidades de classe dos magistrados e partidos apontam que há inconstitucionalidade na implantação da figura do juiz de garantias. São elas:
?? Vício de iniciativa: a criação do juiz de garantias deveria ocorrer por proposta de lei de iniciativa dos tribunais, e não dos parlamentares. Ou seja, não houve respeito ao processo legislativo previsto na Constituição;
?? Violação do princípio do juiz natural: o princípio do juiz natural, previsto na Constituição, prevê que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
Ou seja, é uma garantia a quem é processado em uma ação penal de que seu caso será analisado por um juiz cuja competência para atuar no seu processo foi estabelecida previamente em lei. A intenção é evitar que, para um determinado processo, as partes possam escolher ou excluir determinado magistrado;
?? Violação do princípio da igualdade: o entendimento, neste ponto, é de que, como o juiz de garantias não será aplicado a ações nos TJs, TRFs, STF e STJ, haverá uma diferença de tratamento para processos na primeira instância e em procedimentos iniciados em outras instâncias.
A ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) exemplifica: ?Um deputado federal, detentor da prerrogativa de foro, que estiver sendo investigado perante esse STF por crime praticado no exercício da função e em razão da função, não terá direito ao Juiz das Garantias, mas esse mesmo deputado federal, estando sendo investigado por qualquer outro crime perante a 1ª instância, fará jus ao juiz das garantias?;
?? Criação de despesas sem a fonte de custeio prevista: a criação do juiz de garantias, na avaliação das ações apresentadas ao STF, vai implicar em aumento de custos. Com isso, há uma violação ao artigo da Constituição que estabelece que qualquer criação de cargos e novas despesas deve ter, previamente, a indicação da fonte dos recursos para custeio e autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias;
?? Retroatividade da lei processual penal: segundo o Código de Processo Penal, a lei processual penal tem aplicação imediata. Há a avaliação, no entanto, de que pode haver uma aplicação retroativa indevida da lei, se a lei incidir em casos em tramitação. Nesta situação, o juiz que atua no processo já em andamento poderá ser impedido de atuar na fase posterior, após o início da ação penal;
?? Violação do princípio da proporcionalidade: a violação ocorreria por conta do prazo de 30 dias para a entrada em vigor do juiz de garantias. O prazo é menor que os seis meses para a entrada em vigor, se aprovado, do novo Código de Processo Penal;
?? e violação do princípio da duração razoável do processo: as ações defendem que o juiz responsável pela ação penal não vai acompanhar o desenvolvimento das investigações, o que pode ocasionar um julgamento mais tardio.
Fonte G1 Brasília