Agendas mantidas por um ajudante de ordem subordinado ao tenente-coronel Mauro Cid registraram encontros secretos mantidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas no período imediatamente posterior ao 2º turno das eleições de 2022.
Os jornalistas Bela Megale, no jornal O Globo, e Aguirre Talento, no UOL noticiaram nesta quinta-feira que Cid relatou à Polícia Federal ter presenciado reuniões em que Bolsonaro e militares trataram de golpe militar. As informações também foram obtidas pelo blog da Camila Bomfim com fontes ligadas à investigação.
Ao descrever a reunião, Cid relatou que o encontro incluiu uma minuta (ou seja, um rascunho) de um decreto golpista que incluiria uma série de ilegalidades, incluindo afastamento de autoridades.
Ele também disse à polícia que a ideia de um golpe foi recebida com entusiasmo pelo representante da Marinha, mas que o representante do Exército teria resistido à proposta.
Os dados das agendas constam das caixas de e-mail institucionais entregues pela Presidência da República à CPI dos Atos Golpistas. Não há nos registros informações sobre os assuntos tratados nos encontros. Também não há ainda confirmação de que alguma das reuniões seja a mencionada por Mauro Cid em sua delação.
Em nota divulgada nesta quinta-feira, o Comando da Marinha disse que não teve acesso à delação, que é fiel no cumprimento da lei e que a opinião de um oficial não reflete o posicionamento da Força.
Já a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro divulgou nota nesta quinta-feira (21) para dizer que ele não compactuou com ações “fora da lei”.
1º de novembro
O primeiro registro é do dia 1º de novembro de 2022, dois dias após o segundo turno da eleição. Segundo o calendário do e-mail institucional da Presidência do ajudante de ordens Jonathan Diniz, Bolsonaro recebeu no Palácio da Alvorada os titulares à época do ministério da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, da Justiça Anderson Torres, da Advocacia-Geral da União Bruno Bianco Leal, o ex-ministro e candidato a vice de Bolsonaro, general Braga Netto, e os “Comandantes de Força”. O registro é de que a reunião durou uma hora.
Já em 2023, após os atos golpistas de 8 de janeiro, a Polícia Federal encontrou na casa de Anderson Torres uma minuta de decreto para instaurar Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O texto — inconstitucional, segundo juristas — previa uma interferência indevida na Justiça Eleitoral. Em depoimento à PF, Torres disse que o documento era “descartável” e “sem viabilidade jurídica”. Não há informações até agora de que este documento seja o mesmo mencionado por Cid em sua delação.
2 de novembro
No dia seguinte, em 2 de novembro, o ajudante de ordens Jonathan Diniz registrou um encontro às 15h30 no Palácio do Alvorada. Os participantes anotados são “AE Garinier Santos – Comandante da Marinha” (sic), “Gen Freire-Gomes – Comandante do Exército” e o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Neste último, o registro inclui a informação de que Flávio teria chegado mais tarde, às 16h30.
Segundo o registro, o encontro durou até 17h15.
14 de novembro
Diniz volta a incluir comandantes de Forças Armadas em encontros com o presidente no dia 14 de novembro. Segundo a marcação no calendário do militar, a reunião neste dia também ocorreu no Palácio da Alvorada, entre 14h30 e 16h20. Entre os participantes, constam “Comandantes de Força”, “Gen Braga Netto” e “AE Rocha” (provavelmente o almirante Flávio Rocha, então secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República).
Neste registro, outros integrantes são mencionados apenas por siglas conhecidas em Brasília: MD (usada para o Ministério da Defesa), MJ (usada para o Ministério da Justiça), AGU (Advocacia-Geral da União) e CGU (Controladoria-Geral da União).
Fora das agendas oficiais
A presença dos comandantes nos encontros não foi mencionada nas agendas oficiais de Bolsonaro divulgadas pela Presidência à época. As reuniões também não constaram da agenda de nenhum dos comandantes mencionados.
O encontro de 1º de novembro, por exemplo, traz na agenda oficial como participantes apenas parte dos registrados por Diniz – os ministros da Defesa, da Justiça e da AGU. Não há menção a Braga Netto ou aos comandantes das Forças Armadas.
Já o encontro do dia 2 não foi sequer registrado, já que a agenda oficial daquele dia dizia apenas que o então presidente não possuía compromissos oficiais. O encontro do dia 14 também não foi incluído na agenda oficial, que listou somente reuniões do presidente pela manhã.
Fonte G1 Brasília