A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou, nesta quarta-feira (2), no sentido de que é possível que tribunais de segunda instância determinem a realização de um novo julgamento caso o tribunal do júri absolva um réu mesmo havendo provas de participação no crime, por “clemência” ou “compaixão”.
O plenário, no entanto, ainda discute a redação da tese, ou seja, o resumo do entendimento que servirá de uma espécie de guia para a aplicação das conclusões do Supremo nas instâncias inferiores.
Até agora prevalece a corrente divergente aberta com os votos dos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
O que está em discussão
O júri popular ? previsto na Constituição e formado por sete pessoas ? julga crimes dolosos (quando há intenção) contra a vida, entre os quais homicídio, feminicídio e infanticídio. É uma forma de participação do cidadão nas decisões da Justiça.
Os ministros analisam um caso que trata do poder da segunda instância da Justiça de anular a primeira decisão dos jurados.
- O ponto em discussão é se é possível invalidar o veredito do júri que absolve o réu pela “clemência” ou “compaixão”, mesmo havendo elementos que apontam que o acusado cometeu o delito.
Soberania dos vereditos
Na prática, o debate envolve o alcance de um princípio constitucional ? o da soberania dos vereditos tribunal do júri. Por este princípio, as decisões nesta instância da Justiça não podem ter, em regra, seu conteúdo alterado por um tribunal formado por magistrados de carreira.
Isso não significa, no entanto, que não é possível recorrer de um veredito do júri. Ao analisar recursos e em situações específicas, o tribunal pode mandar que o acusado seja submetido a novo julgamento.
A discussão a ser enfrentada pelo Supremo envolve situações em que, mesmo concordando que há indícios de que o crime ocorreu e teve a participação do réu, os jurados respondem de forma afirmativa à pergunta: “O jurado absolve o acusado?”
Esta pergunta é prevista na lei e é chamada de “quesito genérico” porque o jurado não precisa, em tese, apresentar uma motivação específica para a resposta.
Neste contexto, a depender da situação, o jurado pode absolver alguém por “clemência” ou “compaixão”, por exemplo. Situações, portanto, não previstas em lei.
O recurso envolve um caso de Minas Gerais em que um acusado de homicídio foi absolvido porque matou o homem que, por sua vez, tinha matado seu enteado.
Relator foi contra
O caso começou a ser analisado em 2020, no plenário virtual ? formato de julgamento em que os ministros apresentam seus votos em página eletrônica do tribunal.
Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes considerou que permitir a anulação do júri nestas situações viola o caráter soberano da instituição, previsto na Constituição. Ou seja, entendeu que não é possível um recurso do Ministério Público para derrubar a absolvição nestas circunstâncias.
O ministro fez a ressalva quanto a casos de feminicídio em que os advogados fizeram uso da tese da legítima defesa da honra.
Na ocasião, o ministro Celso de Mello (hoje aposentado) acompanhou o relator. O ministro Edson Fachin abriu a divergência, entendendo que a anulação do júri neste caso é possível, desde que não haja prova que sustente a tese da defesa e desde que a clemência, por exemplo, não incida sobre crime que não permite perdão.
A ministra Cármen Lúcia acompanhou a divergência. O caso foi levado ao plenário presencial porque o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque.
Retomada do julgamento
O julgamento foi retomado na última quarta-feira (25), quando participantes do processo apresentaram seus argumentos sobre o caso.
Gilmar Mendes, o relator do processo, reafirmou os termos do seu voto apresentado no ambiente virtual. O ministro entendeu que o recurso à decisão do júri não pode ter como alvo a absolvição feita nestas circunstâncias e sugeriu a seguinte tese:
?Viola a soberania dos veredictos a determinação, por Tribunal de 2º grau, de novo júri, em julgamento de recurso interposto contra absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos (art. 593, III, d, CPP), de modo que, nessa hipótese, não é cabível apelação acusatória com base em tal fundamento. Ficam ressalvadas as hipóteses de absolvição em casos de feminicídio, quando, de algum modo, seja constatado que a conclusão dos jurados se deu a partir da tese da legítima defesa da honra (ADPF 779)?.
O ministro Edson Fachin também manteve o posicionamento divergente e sugeriu a seguinte tese:
“É compatível com a garantia da soberania dos vereditos do Tribunal do Júri a decisão do Tribunal de Justiça que anula a absolvição fundada em quesito genérico, desde que inexistam provas que corroborem a tese da defesa ou desde que seja concedida clemência a casos que, por ordem constitucional, são insuscetíveis de graça ou anistia.”
Fachin foi acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes, que propôs o seguinte entendimento:
“É cabível recurso de apelação com base no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal, nas hipóteses em que a decisão do tribunal do júri, amparada em quesito genérico, revelar-se manifestamente contrária à prova dos autos”.
Volta à pauta
O caso continuou a ser julgado nesta quarta-feira (2). O ministro Edson Fachin reajustou seu voto e aderiu ao entendimento do ministro Alexandre de Moraes. Seguiram a linha dos dois os ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
Os ministros Cristiano Zanin e André Mendonça votaram pela possibilidade de o tribunal de segunda instância determinar novo julgamento por conta de decisão contrária às provas do processo.
Mas ambos entenderam que não deveria ser passível de alteração a decisão por clemência, desde que tivesse o pedido pela defesa, que a tese tivesse sido discutida e ela seja compatível com a legislação.
Fonte G1 Brasília