Em seu julgamento mais importante sobre armas em mais de uma década, a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou uma lei de Nova York que restringia o porte de armas nas ruas à população civil.
Exatamente um mês depois do massacre em uma escola primária no Texas, que matou 19 crianças e levou republicanos e democratas no Congresso a trabalharem juntos por uma legislação mais restritiva ao acesso a armamentos no país, o tribunal resolveu expandir os direitos às armas.
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Em nome dos seis juízes que compõem a atual supermaioria conservadora da Suprema Corte, o juiz Clarence Thomas escreveu que a Constituição americana garante aos cidadãos do país o direito de portar armas de fogo que ele qualificou como “comumente usadas” em público (como pistolas) para defesa pessoal.
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Assim, o tribunal decidiu que uma lei de Nova York que exigia que os residentes provassem uma “causa adequada” para poder portar armas em público viola a Constituição dos EUA.
“O direito constitucional de portar armas em público para autodefesa não é um direito de segunda classe, sujeito a um conjunto de regras totalmente diferente das outras garantias”, escreveu o juiz Clarence Thomas na opinião da maioria. “Não conhecemos nenhum outro direito constitucional que um indivíduo possa exercer somente depois de demonstrar aos funcionários do governo alguma necessidade especial para isso.”
A decisão, que compromete regulamentações semelhantes em estados como Califórnia e Nova Jersey, deve permitir que mais pessoas carreguem armas legalmente. Cerca de um quarto dos americanos vive em estados que podem ser afetados se suas próprias regras, parecidas com as de Nova York, forem desafiadas.
Os três juízes liberais da Corte – Elena Kagan, Sonia Sotomayor e Stephen Breyer – fizeram um voto de dissenso, ou seja, discordaram da opinião da maioria. Eles argumentaram que a corte não poderia ignorar a epidemia de massacres que o país enfrenta ao decidir sobre a Segunda Emenda da constituição do país – a que garante o direito a armas aos americanos.
Em sua discordância, o juiz Breyer observou que a violência armada tirou um número significativo de vidas nos EUA em 2022.
“Desde o início deste ano, já houve 277 tiroteios em massa relatados – uma média de mais de um por dia”, escreveu Breyer, em nome da minoria.
Na sequência, ele listou alguns dos casos mais dramáticos já vivenciados no país: “jornais relatam tiroteios em massa em um espaço de entretenimento na Filadélfia, Pensilvânia (3 mortos e 11 feridos); uma escola primária em Uvalde, Texas (21 mortos); um supermercado em Buffalo, Nova York (10 mortos e 3 feridos); spa em Atlanta, Geórgia (8 mortos); uma rua movimentada de Dayton, Ohio (9 mortos e 17 feridos); uma boate em Orlando, Flórida (50 mortos e 53 feridos); uma igreja em Charleston, Carolina do Sul (9 mortos); um cinema em Aurora, Colorado (12 mortos e 50 feridos); uma escola primária em Newtown, Connecticut (26 mortos); e muitos, muitos mais”.
Thomas, no entanto, rechaçou a ideia de que preocupações com a segurança pública fossem motivo suficiente para justificar controles de armas. Ao contrário, disse que o governo tinha que provar “que sua regulamentação de armas de fogo faz parte da tradição histórica” do país no tema.
‘Um faroeste selvagem’
Os EUA vivem, no entanto, um clima de luto e de trauma diante do volume de vítimas recentes de atiradores em série.
Esta semana, antes da decisão da Suprema Corte, o Senado dos EUA anunciou medidas para uma nova legislação que restringe o acesso a armas de fogo. Os parlamentares têm tentado construir apoio bipartidário às regras, apesar das profundas divisões que o assunto provoca entre democratas, mais pró restrições, e republicanos, que tendem a rechaçar qualquer limitação.
O presidente dos EUA, Joe Biden, disse estar “profundamente decepcionado” com a decisão do tribunal, que, segundo ele, “contradiz tanto o bom senso quanto a Constituição, e deveria incomodar a todos”.
O prefeito de Nova York, Eric Adams, disse que revisaria outras maneiras de restringir o acesso a armas, como apertar o processo de solicitação de compra de armas de fogo e analisar proibições em determinados locais.
“Não podemos permitir que Nova York se torne um faroeste selvagem”, acrescentou.
A Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês), por outro lado, comemorou o julgamento.
O lobby de armas apoiou os dois autores da ação que desafiaram a lei de Nova York: Robert Nash e Brandon Koch são dois nova-iorquinos que solicitaram uma permissão de porte que lhes foram negados, apesar de ambos terem licenças para posse de armas recreativas.
Os EUA têm mais armas em circulação do que habitantes no país. São 390 milhões de armas em propriedade de civis, contra 329,5 milhões de pessoas. Somente em 2020, mais de 45mil americanos morreram em decorrência de ferimentos relacionados a armas de fogo, incluindo homicídios e suicídios.
A decisão desta quinta, 23/6, dá continuidade a um padrão constante de decisões que expandiram os direitos das armas, sustentando que o direito de portar armas de fogo tanto em casa quanto em público é garantido pela Segunda Emenda da Constituição dos EUA.
Mesmo à sombra dos tiroteios em massa em Uvalde e Buffalo, a maioria de seis juízes na Suprema Corte manteve uma ampla interpretação da Segunda Emenda delineada pela primeira vez por uma maioria mais restrita do tribunal em 2008.
A última decisão histórica sobre armas emitida pelo tribunal foi em 2010, que afirmou o direito de portar armas tanto para entes dos Estados quanto para indivíduos.
À medida que esses precedentes judiciais se acumulam, será cada vez mais difícil para os futuros juízes da Suprema Corte mudarem de rumo e interpretarem a Constituição como permitindo restrições mais amplas às armas.
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Fonte G1 Brasília