Por que uma empresa de pequeno porte, sem histórico de grandes obras públicas, conseguiu protagonizar um dos maiores projetos de infraestrutura do país? Essa é a pergunta que paira sobre a Zion Real Estate, uma construtora que se candidatou para construir a Ferrogrão, a ferrovia que promete cortar a Amazônia ao meio, com impactos econômicos e socioambientais profundos.
O projeto Ferrogrão: sonho ou pesadelo logístico?
A Ferrogrão (EF-170) é um ambicioso projeto ferroviário de 987 quilômetros que pretende ligar Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), sendo um corredor estratégico para o escoamento de grãos do Mato Grosso e, potencialmente, de minério do Pará. Estimada em R$ 10 bilhões, a obra é defendida pelo Governo Federal como essencial para o agronegócio, mas enfrenta críticas de ambientalistas, povos indígenas e juristas, além de barreiras legais no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal de Contas da União (TCU).
Apesar de seu potencial econômico, a Ferrogrão não atraiu grandes investidores internacionais, em parte devido à judicialização do projeto e às incertezas legais, como a desafetação do Parque Nacional do Jamanxim e a falta de consulta às comunidades indígenas afetadas.
Quem é a Zion Real Estate?
A Zion Real Estate Ltda surgiu como uma construtora de pequeno porte, fundada em 2017, com sede em Sorriso (MT), e ampliada em 2021 para Cuiabá (MT). Seu capital social é de R$ 1,52 milhão — um valor ínfimo diante do custo bilionário da Ferrogrão. A empresa não possui histórico em obras de grande porte, atuando principalmente em construções residenciais e, mais recentemente, na construção de presídios para o Governo de Mato Grosso.
A única sócia administradora da Zion é Gabrieli Mosena da Silva, uma arquiteta de origem paranaense. Gabrieli é sobrinha de Ane Borges e do Pastor Sidney Borges, figuras políticas influentes em Sorriso. Ane foi candidata a deputada federal pelo partido do governador Mauro Mendes, mas não se elegeu.
A Zion também possui vínculos familiares indiretos com a Librelato, uma gigante do setor de implementos rodoviários. Daniela Mosena Librelato, sócia fundadora da Zion e irmã de Gabrieli, carrega o sobrenome da empresa, que tem estreita relação com o agronegócio, setor beneficiado pela Ferrogrão.
Por que só a Zion?
Embora a Ferrogrão tenha sido apresentada em eventos internacionais, como nos EUA e nos Emirados Árabes, a Zion é a única empresa até agora a pleitear a construção da ferrovia. Tal exclusividade, obtida durante o governo Bolsonaro, sob a coordenação do então ministro Tarcísio de Freitas, levanta suspeitas, especialmente porque a Zion não aparenta ter capacidade técnica ou financeira para assumir um projeto tão monumental.
A ausência de outros concorrentes é explicada, em parte, pela insegurança jurídica do projeto e pelos impactos ambientais e sociais mal resolvidos. A Ferrogrão, embora priorizada pelo programa Pro Trilhos, enfrenta um futuro incerto, com questionamentos que vão desde sua concepção até a viabilidade de execução.
Conclusão: Zion, um mistério no coração da Ferrogrão
O caso da Zion Real Estate expõe a complexidade e as contradições do projeto Ferrogrão. Como uma pequena construtora de Sorriso, com vínculos políticos e familiares no Mato Grosso, tornou-se a protagonista de um megaprojeto nacional? E por que, mesmo com a visibilidade internacional da ferrovia, não há outros interessados no projeto?
A história da Ferrogrão é também a história do Brasil: grandes ambições, polêmicas de bastidores e um futuro nebuloso. Seja como vitória ou fracasso, o papel da Zion na Ferrogrão será um capítulo memorável na saga da infraestrutura brasileira.