O governo federal realizou o primeiro pagamento no ano das chamadas “emendas PIX” na última terça-feira (9). Ao todo, foram R$ 2,3 bilhões pagos para indicações feitas por parlamentares.
O valor corresponde a um terço de todas as emendas PIX destinadas neste ano. Esse foi o maior pagamento de emendas num único dia.
?Emendas individuais de transferência especial, ou emendas PIX, foram criadas em 2019 e ficaram conhecidas assim pela dificuldade na fiscalização dos recursos, uma vez que os valores são transferidos por parlamentares diretamente para estados ou municípios sem a necessidade de apresentação de projeto, convênio ou justificativa ? por isso, não há como fiscalizar qual função o dinheiro terá na ponta.
? Além disso, as emendas são impositivas, ou seja, o governo é obrigado a pagar.
“Um problema fundamental das emendas PIX é o fato que o uso do recurso não precisa contribuir diretamente para o avanço de uma política nacional específica em uma área”, afirmou Marina Atoji, diretora da organização Transparência Brasil.
Desembarque do União e PP
O movimento do governo começou a acontecer uma semana antes, quando a federação partidária formada pelo União Brasil e pelo PP anunciou que filiados aos partidos deveriam deixar os cargos no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No dia do anúncio do desembarque, o governo empenhou os R$ 2,3 bilhões que acabaram sendo pagos na semana seguinte.
?O grupo partidário mais beneficiado foi justamente a federação formada pelo União e o PP. Juntos, os dois partidos tiveram R$ 509 milhões em emendas pagas. Foram R$ 278 milhões para o União Brasil e R$ 231 milhões para o PP.
O segundo partido mais beneficiado foi o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, com R$ 400 milhões, e em terceiro aparece o MDB, que compõem a base do governo, com R$ 317 milhões.
O Partido dos Trabalhadores, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teve R$ 174 milhões em emendas pagas. O Psol foi o único partido com representação no Congresso que não teve emendas PIX pagas.
Parlamentares beneficiados
Ao todo, 429 parlamentares que fizeram indicações de emendas foram contemplados com a liberação do pagamento pelo governo.
E o senador Lucas Barreto (PSD-AP) foi o parlamentar mais beneficiado no período. Ao todo, foram R$ 18,5 milhões para o estado do Amapá.
Em seguida, aparece o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), com R$ 18 milhões enviados para municípios do Rio Grande do Norte, seu estado de origem.
O terceiro parlamentar que mais recebeu emendas foi o deputado federal Alberto Mourão (MDB-SP), que teve R$ 17,8 milhões em emendas PIX pagas para municípios do estado de São Paulo.
Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP), juntos tiveram R$ 23 milhões pagos em emendas. Foram R$ 16,5 milhões para Alcolumbre e R$ 6,9 milhões para Motta.
Questionamentos do Supremo
O pagamento das emendas PIX, assim como de todas as modalidades de emendas parlamentares, chegou a ser suspenso pelo STF até que Executivo e Congresso chegassem a um consenso sobre regras para dar maior transparência na distribuição. O que aconteceu no começo deste ano.
Em março, o Congresso apurou modificações nas emendas parlamentares para atender as demandas por mais transparência, feitas pelo ministro do STF, Flávio Dino.
Com isso, as emendas PIX devem ser destinadas “preferencialmente para a conclusão de obras inacabadas” e precisam trazer explicitamente o local onde serão usadas.
Entretanto, a Transparência Brasil olha com desconfiança para essa obrigatoriedade dos entes federativos explicarem aonde os recursos deverão ser alocados.
“Apesar de agora os recursos só serem liberados depois de o estado ou município dizer o que pretende fazer com o dinheiro (o que é melhor do que havia antes), não há obrigação nenhuma de que o plano seja seguido”, afirmou Atoji.
Análise da Transparência Brasil
Um levantamento da Transparência Brasil de 2024 analisou R$ 7,7 bilhões já empenhados (reservados para pagamento) pelo governo federal até agosto daquele na modalidade emenda PIX. Dos R$ 6,9 bilhões que já tem encaminhamento para os municípios, o estudo aponta que:
- quatro em cada cinco cidades devem receber emendas PIX (4.564 municípios);
- cidades muito pequenas, com até 10 mil habitantes, vão receber 25% do valor total empenhado, embora representem apenas 6% da população das prefeituras;
- por outro lado, municípios com mais de 100 mil habitantes estão “sub-representados” na divisão: apesar de concentrarem 59% da população entre as cidades beneficiadas, foram contemplados com 17% dos valores;
- 76 cidades devem receber mais de R$ 10 milhões dessas emendas;
- o valor empenhado em emendas PIX é superior a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) mais recente de sete cidades.
Recapear rua de condomínio de luxo
Recentemente, a prefeitura de Barueri usou recursos de emendas parlamentares do deputado federal Fábio Teruel (MDB) para recapear ruas do condomínio de luxo fechado onde o parlamentar e outros artistas famosos vivem, na região de Alphaville, Grande São Paulo.
Esse é outro ponto de críticas feito por Atoji a respeito das emendas PIX.
“Uma emenda PIX pode ser direcionada, por exemplo, à construção de uma escola de educação básica em uma área já bem servida da cidade ou do estado, ao invés de ser gasta em uma região na qual, de acordo com as metas da política federal de educação, precisa de mais vagas. Ou, na pior das hipóteses, o recurso pode ser voltado para eventos de interesse de apenas um setor ou shows de artistas badalados, ao invés de alguma política nacional em áreas nas quais há metas para melhorar, como saneamento”, criticou.
Documentos disponíveis no portal da transparência do governo federal mostram que o prefeito de Barueri, Beto Piteri (Republicanos), declarou o recebimento de R$ 11 milhões em emendas PIX enviadas pelo deputado Fábio Teruel.
Entre os documentos anexados, o prefeito informa que parte dos recursos ? R$ 2,2 milhões enviados pelo deputado do MDB à cidade ? foram usados para recapear ruas do condomínio Residencial Tamboré I, onde Fábio Teruel vive com a família e a esposa Ely Teruel, vereadora da cidade de São Paulo também pelo MDB.
Fonte G1 Brasília