Há pouco mais de um mês, a onda de técnicos portugueses no Brasil chegava ao Cuiabá. No dia 3 de junho, António Oliveira era anunciado como novo comandante e se tornava o primeiro treinador estrangeiro dos 20 anos de história do clube.
Em entrevista exclusiva ao ge, António falou sobre vida pessoal, princípios e carreira. De cara, o português de 39 anos apresentou suas credenciais a quem ainda possa desconhecê-lo.
– António Oliveira é alguém que tem duas grandes paixões: o futebol e a família. Vivo para eles dois há muitos anos. Sou alguém que se que preparou pra esta vida de técnico desde o momento em que foi jogador. Também na parte acadêmica, que me possibilitou cada vez mais ganhar conhecimento para poder dar as respostas e estar melhor preparado para aquilo que realmente queria ser, que é treinador. A família faz parte integrante daquilo que é minha vida, do processo daquilo que sou como homem. Sofrem muito com minha ausência, mas sofrem e vibram muito com as vitórias, e tem sido mais vitórias. Não gosto de utilizar a palavra derrota, mas ela faz parte deste processo, ela nos faz crescer.
– Sempre digo que não perco, aprendo. Ou ganho ou aprendo. Portanto, o António é alguém que se preocupa mais com os outros do que com ele próprio.
É comum ouvir António falar sobre família, seja durante essa conversa ou no dia a dia do clube. Mas ele teve que abdicar da presença de sua própria para seguir os passos no futebol. Em sua terra, deixou a esposa e três filhos. A ausência pode machucar, mas faz parte do processo, de acordo com ele.
– É duro, é desafiante, mas faz parte do caminho que escolhi, e quem comigo vive também aceitou essas condições. Felizmente há compreensão. Independentemente de eu gostar que as pessoas mais queridas estejam juntas de mim, também gosto que meus filhos tenham um centro de vida. Eles sabem como é vida do treinador de futebol, hoje estou aqui e amanhã posso estar em outro lugar. Quem sofre mais são as crianças. Ficam em constantes mudanças e não gosto que isso aconteça, gosto de dar estabilidade, apesar da ausência do pai, que gera falta de constante acompanhamento. Em alguns momentos, as férias nos dão isso, simples coisas que nos enchem o coração, de ir buscar na escola, de fazer trabalhos de casa e brincar com eles.
O treinador lusitano está em sua terceira experiência no Brasil. Antes do Cuiabá, ele foi auxiliar de Jesualdo Ferreira no Santos e comandou o Athletico. Porém, o início da carreira foi como auxiliar do pai, António José Conceição Oliveira, mais conhecido como Toni, ídolo do Benfica.
Pai e filho trabalharam juntos no Tractor, do Irã, no Rudar, da Eslovênia e no Kazma, do Kuwait – neste último, António era o técnico e Toni era manager. A inspiração paterna vai além, é idolatria.
– Meu pai é meu ídolo. Não esquecendo minha mãe, minha esposa, minha irmã e minhas sobrinhas. Depois dos meus filhos, meu pai é a pessoa mais importante da minha vida. Devo-lhe muito, cresci o observando. Infelizmente não consegui ver a carreira dele como jogador, porque o ano que ele terminou foi o ano que nasci, mas acompanhei e vibrei com sua carreira enquanto treinador. Tive a felicidade também de, mais tarde, ingressar em sua comissão técnica e depois fui o primeiro auxiliar dele. Me deu uma bagagem enorme.
– Acima de tudo, ele me deu princípios e valores de como sermos na vida e no futebol. Disso nunca vou abdicar. Independentemente de qualquer instituição que eu esteja, carrego esses princípios, de cooperação, sinceridade, honestidade, espírito de sacrifício e de equipe e que ninguém é mais importante que o time. Eles têm me dado mais glórias do que frustrações. Temos que aprender com os melhores, e ele para mim é um dos melhores.
Filosofia de trabalho
Os princípios de vida viraram filosofia de trabalho. Oliveira bate na tecla de constituir a “família dourada” dentro do Cuiabá.
– Tem muito a ver com meus princípios. Digo sempre que quebrados somos mais fracos e juntos seremos sempre muito mais fortes. E há regras para pertencer à família. Quando existe, acima de tudo, sinceridade e honestidade entre o líder e seus liderados, tudo é mais fácil. Os jogadores tem sido fantásticos. Eles são meu orgulho e tenho certeza que ainda tem mais para dar. Vim numa perspectiva de sempre os ajudar. O António é a peça menos importante do puzzle [palavra em inglês para quebra-cabeça]. Vim para os ajudar e os valorizar como jogadores, mas sobretudo como homens, porque acho que quanto melhores pessoas formos, melhores profissionais seremos.
E a torcida é membro vital nessa construção. Na vitória sobre o Botafogo, no último domingo, António Oliveira pôde sentir o calor dos adeptos mais de perto, quando quase 15 mil “familiares” estiveram na Arena Pantanal.
– O torcedor é determinante, tanto que no último jogo eles foram determinantes. Eles fazem parte da família. Todos aqueles que quiserem fazer parte, estão convidados, sempre disso isso desde quando cheguei, dentro desses valores. Não há juiz maior que o torcedor, mas durante os 90 minutos, principalmente em casa, que apoiem. No fim, façam o julgamento, mas até lá, tudo pode acontecer, e vamos precisar muito deles. O que me dá mais prazer é trabalhar neste tipo de equipes, vê-las crescer e alcançar resultados. Acredito muito no trabalho, mas vamos precisar muito deles. Estão convocados à pertencer a essa família dourada e eles são um dos elementos determinantes para alcançarmos os objetivos a que nos propomos.
Entre um papo mais sério e momentos de descontração, o treinador revelou que ainda não conseguiu conhecer pontos turísticos, culinária e cultura de Mato Grosso, mas pretende fazê-lo. O foco agora é no trabalho, que tem sido positivo.
Em sete jogos à frente do Dourado, António Oliveira tem três vitórias, dois empates e duas derrotas – ou aprendizados, como diz o próprio. Conseguiu tirar o time da zona de rebaixamento, mas ele reconhece que ainda há muito a percorrer, sem deixar de acreditar que o melhor está por vir.
– Agora é continuarmos a trabalhar e sonhar, porque acredito muito nos sonhos. Para os tornar realidade, é com trabalho, disciplina, organização, rigor, mas sobretudo a mentalidade e atitude competitiva e vencedora que eu quero. Que eles [jogadores] sintam que são capazes. Eles não tem que provar nada a ninguém, tem que provar a eles próprios todos os dias que são capazes. É o que eles têm feito, tenho me orgulhado muito, mas sabemos que ainda é muito pouco aquilo que fizemos. Temos um caminho longo e que espero que acabe em glória. Espero não, tenho certeza que vai acabar em glória.
O contrato de António Oliveira com o Cuiabá tem vigência até o fim desta temporada. O objetivo principal de comissão técnica, elenco e diretoria é a permanência na Série A, mas o português deixa claro que o desejo é chegar longe, muito mais que os mais de 7 mil quilômetros que separam Lisboa da capital mato-grossense.
Fonte GE Esportes