O ex-ministro Luiz Dulci, coordenador da campanha de Lula, afastou a possibilidade de Lula indicar, num eventual terceiro mandato, um ministro da Fazenda de viés liberal. Dulci afirmou que a vitória petista no primeiro turno é improvável e mesmo a eleição de Lula, para ele, não está garantida. Ainda assim, o ex-ministro já enxerga um movimento do mercado financeiro de tentar pautar um possível futuro governo petista.
“Os nomes indicados [pelo mercado] são todos expressões do pensamento econômico neoliberal. Armínio Fraga etc. Não estou negando que essa grande soma eleitoral seja importante para ganhar a eleição, mas só se o Lula for doido que vai designar um Ministério da Fazenda ? com a crise econômica que ele vai enfrentar se ele ganhar as eleições tomando posse ?, nomear um economista neoliberal, que pensa o contrário do que todos nós pensamos, mas eles vão pautar”, disse.
A declaração foi dada em uma reunião virtual com mais de 600 intelectuais do campo de esquerda na noite desta sexta-feira (16). Estavam presentes os economistas Luiz Gonzaga Belluzo e Luiz Carlos Bresser-Pereira, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, o sociólogo português Boaventura Sousa Santos e a jurista Carol Proner, além de ex-reitores e representantes de movimentos e entidades.
O ministro citou o primeiro mandato de Lula, quando o escolhido para o cargo foi Antonio Palocci, um quadro histórico petista, mas que executou uma política econômica considerada liberal. “Em 2003, de certa forma, eles [o mercado] pautaram e conseguiram impor os seus objetivos.”
Há um entendimento na coordenação da campanha de que o principal predicado para o titular da Economia seja capacidade de diálogo com o Congresso. A escolha, no entanto, será de Lula. Especula-se que no radar do ex-presidente estejam o ex-senador Wellington Dias e o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha. Ambos têm participado de conversas com setores do mercado financeiro e do empresariado há alguns meses. O nome de Geraldo Alckmin também é especulado, mas a escolha criaria um embaraço para Lula se eventualmente precisar demiti-lo do cargo.
Ofensiva bolsonarista
Dulci participou de todas as coordenações das campanhas presidenciais petistas de 1989 até hoje, à exceção da disputa em 1994, quando ocupava o cargo de Secretário de Governo na Prefeitura de Belo Horizonte. Ele foi ministro-chefe da Secretaria-Geral nos dois mandatos de Lula, além de ser um dos principais conselheiros do ex-presidente.
Na reunião com os intelectuais, Dulci convocou os presentes a se engajarem nas eleições. “Mesmo pesquisas feitas por nós mostram que há dificuldades eleitorais a serem superadas, sobretudo a vitória no primeiro turno não está garantida (…) Acho que o mais provável neste momento é ter segundo turno. Vai depender muito do esforço nosso nessa reta final pra ganhar no primeiro.”
O coordenador da campanha disse que está em curso uma ofensiva de Jair Bolsonaro e que muitos eleitores de Lula estão com medo de se exporem.
“As mentiras políticas em escala industrial estão fortíssimas. Eles estão mandando para 15 milhões de endereços eletrônicos, sobre os quais nós não temos controle. Há muitos desses endereços que nós não temos acesso. Uma parte, sim. Em 2018 não tínhamos nada. Agora temos a uma parte. No Rio de Janeiro, a informação que a gente tem de gente séria, criteriosa, é de que haveria 50 mil pessoas contratadas nas igrejas evangélicas, pentecostais, algumas delas, fazendo campanha de casa em casa. Tem o risco de ter segundo turno. Se tiver segundo turno eles vão chegar bastante legitimados.”
Correlação de forças
Dulci prevê que a disputa eleitoral, se superada, vai apenas preceder um outro embate, mais difícil ainda, na avaliação dele.
“Nosso desafio é ganhar eleição? é. No primeiro turno? é. É tomar posse? é. Mas o desafio também é de construir uma correlação de forças que sustente Lula, eu insisto nisso, para fazer reformas moderadas, mas são reformas. As oligarquias brasileiras já estão tentando dizer que não dá para ser Bolsonaro, então tem que ser Lula, mas um Lula com uma política econômica atrasada, que não pode ser progressista, com menos políticas sociais, que não crie, por exemplo, impostos sobre grandes fortunas, impostos sobre dividendos, eles não querem.”
Em uma autocrítica dos governos Lula e Dilma, Dulci afirmou que o PT não foi capaz de criar mobilização popular para reformas mais ambiciosas ou mesmo para evitar o impeachment de 2016.
“Para a sobrevivência do governo, para que ele não seja encostado na parede, não seja pautado artificialmente de fora para dentro, para que o governo Lula consiga executar seu programa de reformas moderadas, é preciso criar uma maioria na sociedade que o sustente. E essa maioria hoje ainda não existe.”
Carta dos intelectuais
Os intelectuais que participaram do encontro formaram um fórum permanente de diálogo e elaboraram uma carta a Lula, que vai ser encaminhada por Dulci.
Entre as propostas estão a “desfascistização da sociedade” (“contra todas as formas de xenofobia, de militarização e milicianização da sociedade”); a defesa do estado laico e secular; a recuperação das funções da Funai e a revisão do Artigo 142 da Constituição, “estabelecendo o papel das Forças Armadas como instituições de Estado permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República.”
Os signatários pedem ainda que haja o comprometimento de um eventual governo Lula com uma “Justiça de Transição, Memória e Reparação que abranja os períodos traumáticos da história do país e as práticas de desrespeito aos direitos humanos: o genocídio dos povos indígenas e dos negros, bem como os crimes de lesa-humanidade praticados pelo governo Bolsonaro, a exemplo das mortes no contexto da Covid”.
No eixo econômico, há uma defesa do fim do teto de gastos, da revogação das reformas trabalhista e previdenciária, do fim da autonomia do Banco Central e do orçamento secreto.
Fonte G1 Brasília