Nem sempre a fúria dos céus é capaz de lavar as mãos dos homens. Após um temporal que despejou mais de 100 milímetros de chuva sobre Cuiabá, o prefeito Abílio Júnior, outrora um leão de palanque, surgiu diante das câmeras mais parecido com um gato ensopado, miando fininho — e repetidamente — que a chuva fora “atípica”, como se o adjetivo fosse suficiente para conter a indignação popular diante do desastre. Antes, quando o prefeito era outro, tudo era incompetência. Agora, com a mesma água caindo do céu, tudo virou fatalidade. Como cinicamente mudam as coisas — e as pessoas.
A UPA do Leblon, reformada há pouco mais de um ano sob as bênçãos da Intervenção Estadual imposta por Mauro Mendes — ele mesmo, o governador que tratou a gestão de Emanuel Pinheiro como um adversário a ser extirpado, não como um ente federativo a ser auxiliado — derreteu ao primeiro grande teste da natureza. Muro no chão, alagamentos por dentro e por fora, e uma fala de Abílio que escorregou na culpa como a enxurrada pelas ruas do Porto: “Foi uma obra mal executada”, disse ele.
Ora, ora. Não foi exatamente essa Intervenção que Abílio defendeu com unhas e dentes? Não foi esse o projeto alterado pelo governo do estado, com pompas de salvação e promessas de excelência? A fala do prefeito, embora mansa, foi uma punhalada elegante no mentor da Intervenção. Uma crítica que, mesmo sussurrada, ecoa como grito em auditório vazio: a obra era ruim. E ponto.
Com a cidade embaixo d’água e a retórica do prefeito tentando não naufragar junto, fica a lição que Cuiabá já aprendeu à custa de enxurradas, rachaduras e improvisos: obras públicas não resistem a discursos — precisam de engenharia, planejamento e, acima de tudo, respeito pelo povo. Porque o que caiu ali não foi só um muro, mas parte da narrativa de quem prometeu consertar, mas entregou ruínas.