Em tempos em que a desinformação tenta se passar por gestão, é preciso separar o discurso da realidade com precisão cirúrgica. O prefeito de Cuiabá, Abílio Júnior, eleito sob a bandeira de que extinguiria a famigerada taxa de lixo, acaba de provar que a retórica da campanha não resistiu ao primeiro teste da administração. O que se viu nos últimos dias foi a substituição de um tributo por outro, sob a tentativa de camuflagem legislativa e celebração pública — como se a população fosse incapaz de compreender a manobra.
Durante a campanha de 2024, Abílio foi taxativo: “Vamos acabar com a taxa de lixo”. A promessa era simples, direta e politicamente eficaz. Contudo, ao assumir o cargo, a realidade fiscal bateu à porta. A primeira tentativa de revogação da taxa esbarrou na Lei de Responsabilidade Fiscal: para eliminar uma fonte de receita, é preciso indicar outra que a substitua. A Câmara Municipal devolveu o projeto.
Meses depois, a mesma proposta retorna com nova roupagem. A lei de 2022, que instituía a cobrança, foi revogada. E, no mesmo movimento, a Prefeitura ressuscita a Lei Complementar nº 364/2014, que prevê a cobrança de uma “taxa de coleta de resíduos sólidos” para grandes geradores — o que, em bom português, continua sendo uma taxa de lixo.
A narrativa vendida como “vitória do povo” escamoteia o essencial: a cobrança continua. A única diferença é o nome e o formato da taxa. E, pior, com critérios vagos e impraticáveis: quem produz mais de 50 quilos de lixo por dia pagará. Mas quem irá pesar esse lixo? Os coletores vão andar com balanças? Como mensurar isso em condomínios verticais, que juntos ultrapassam essa quantidade facilmente?
Até vereadores aliados apontaram a inconsistência. Daniel Monteiro foi direto ao dizer que “o prefeito tirou um imposto e colocou outro no lugar”.
O episódio escancara não apenas a inabilidade administrativa, mas o desrespeito à inteligência do cidadão. Em vez de reconhecer os limites da promessa de campanha e dialogar com transparência, Abílio optou por uma encenação: revogou uma taxa, instituiu outra e posou para a foto como se houvesse cumprido sua palavra.
Mas como diz o ditado, mentira tem perna curta. E quem governa com truques semânticos termina sendo julgado não pelos holofotes da propaganda, mas pelo lixo que tentou esconder debaixo do tapete da política.