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Arcabouço fiscal: mesmo com mais espaço para gastos, economistas veem possível impacto em políticas públicas

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O arcabouço fiscal, a nova regra para as contas públicas aprovada nesta semana pelo Legislativo, traz um espaço maior para despesas do que o teto de gastos ? norma anterior.

Mesmo assim, segundo analistas ouvidos pelo g1, ainda pode haver uma compressão dos chamados “gastos livres” dos ministérios, com impacto em políticas públicas. Os gastos livres são aqueles que o governo não é obrigado a fazer. Pagar aposentadorias, por exemplo, é um gasto obrigatório.

A regra geral do arcabouço prevê que o crescimento das despesas do governo esteja atrelado ao crescimento das receitas. Além disso, a alta das despesas não pode subir mais do que 2,5% por ano acima da inflação (entenda mais abaixo).

O temor é que gastos que obedeçam regras específicas (distintas do arcabouço) cresçam demais. Daí a necessidade de o governo controlar gastos.

Algumas despesas obrigatórias que obedecem a regras específicas de reajuste são:

  • aposentadorias do funcionalismo (vinculadas ao salário mínimo)
  • despesas em saúde e educação
  • emendas parlamentares (indexadas à arrecadação)

As despesas em saúde, educação e emendas, por exemplo, foram atrelados à arrecadação. Elas podem ter forte alta se o governo conseguir implementar as medidas que busca para incrementar a receita.

De acordo com o economista Manoel Pires, coordenador do Núcleo de Política Econômica e do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, esse é um “ponto de crítica do novo arcabouço fiscal”.

“Esse descompasso entre os gastos que são referendados pelo crescimento da receita e o novo teto de despesa, dado pelo arcabouço, que é 2,5% de crescimento. Se a receita crescer muito mais do que isso, vai ter alguns gastos crescendo muito mais e comendo espaço”, disse o economista Manoel Pires.

O Tesouro Nacional avalia que a vinculação de gastos a regras específicas, “embora objetive a priorização dessas políticas públicas no orçamento”, pode “dificultar seu planejamento e sua execução”.

“O elevado nível de vinculações tende a extinguir a discricionariedade alocativa [possibilidade de escolha de gastos], pois reduz o volume de recursos orçamentários livres que seriam essenciais para implementar projetos governamentais prioritários, que atendam as necessidades da população em cada momento do tempo”, avaliou o Tesouro Nacional em julho desse ano, por meio de relatório.

O g1 entrou em contato com o Tesouro Nacional e perguntou quando a possibilidade de indicar gastos livres (discricionariedade alocativa) será extinta, mas não obteve resposta até a última atualização dessa reportagem.

O consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Ricardo Volpe, que assessorou o relator do arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), em seu texto, lembra que a nova regra fiscal traz um piso de cerca de R$ 150 bilhões para os gastos livres dos ministérios. Mesmo assim, ele prevê um cenário difícil se nada for feito.

“Tende, no último ano do governo Lula [em 2026], a ter uma situação do que ficou no último ano do governo Bolsonaro, com dificuldade grande em pagar despesas discricionárias [gastos livres dos ministérios]”, declarou o consultor da Câmara, Ricardo Volpe.

Teto de gastos X arcabouço fiscal

No antigo teto de gastos, regime que foi extinto nesta semana, a maior parte das despesas não podia subir acima da inflação do ano anterior. Estavam dentro dessa regra gastos dos ministérios em saúde e educação.

Como as despesas obrigatórias, como por exemplo a previdência social, subiam acima da inflação, isso comprimia o espaço para os gastos livres dos ministérios – que sofreram bloqueios nos últimos anos.

Isso levou à falta de recursos para alguns gastos livres dos ministérios, como:

  • defesa agropecuária;
  • bolsas do CNPq e da Capes;
  • Pronatec;
  • emissão de passaportes;
  • programa Farmácia Popular;
  • bolsas para atletas
  • fiscalização ambiental e do trabalho, entre outros.

Entre os gastos livres dos ministérios, também estão despesas com água, luz e segurança dos prédios do governo. Nesse caso, embora sejam “livres”, as despesas têm de ser feitas sob o risco de paralisia da máquina pública.

No caso do arcabouço fiscal, a regra é diferente do teto de gastos, mas ainda assim há um limite para as despesas. Elas não podem subir mais do que 70% da alta da receita, e não podem avançar mais do que 2,5% por ano, acima da inflação (foi proposto um intervalo de alta real de 0,6% a 2,5%).

Estudo da Consultoria de Orçamento da Câmara mostra que, entre 2009 e 2016, antes do teto de gastos, as despesas totais do governo (sem contar o orçamento financeiro, da dívida pública) cresceram em média 4,6% ao ano em termos reais (acima da inflação).

Ou seja, acima do limite de 2,5% em termos reais da nova regra fiscal.

Gastos com regras próprias

A nova regra fiscal, por sua vez, também trouxe algumas novas vinculações de despesas a regras próprias. Todas essas despesas, que são engessadas, podem crescer mais do que 2,5% em termos reais ao ano (limite do arcabouço fiscal) e, com isso, reduzir o espaço para os gastos livres dos ministérios.

??Uma novidade proposta pelo governo do Partido dos Trabalhadores foi um piso para gastos com investimentos. A medida, que tende e elevar os valores para novos recordes, também levantou dúvidas de especialistas sobre se os recursos serão de fato bem gastos.

??O governo Lula também firmou o compromisso de dar aumento real ao salário mínimo todos os anos. Embora isso se reflita em correção dos benefícios previdenciários acima da inflação, também há aumento do engessamento orçamentário.

  • Além disso, também há um piso para as emendas parlamentares de execução obrigatória. A regra diz que as emendas individuais não podem ser menores do que 2% da receita corrente líquida do exercício anterior, enquanto as as emendas de bancada não podem ficar abaixo de 1%.

O que pode ser feito

Uma possibilidade de evitar o bloqueio de gastos livres dos ministérios, segundo economistas, é o corte de despesas obrigatórias, pois isso abriria espaço no orçamento. Para que isso seja feito, leis têm de ser alteradas.

Analistas têm alertado, entretanto, que, enquanto foca no aumento da arrecadação para cumprir as metas fiscais propostas, o arcabouço fiscal peca em que não trazer indicações mais claras sobre o controle de gastos públicos e, também, de medidas para reduzi-los.

E entre as possibilidades de reduções nos gastos obrigatórios, que teriam de passar pelo Congresso Nacional, citam:

  • Mudanças ou fim do abono salarial, política considerada ineficiente e mal focalizada (que não atinge os mais pobres);
  • Contenção de gastos com servidores por meio de uma reforma administrativa;
  • Fusão de políticas sociais para evitar o acúmulo de benefícios.

O Tesouro Nacional informou, entretanto, que pretende encaminhar ao Congresso Nacional no segundo semestre deste ano uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para alterar o formato de correção do piso (valor mínimo) dos gastos com saúde e educação a partir de 2025.

Em julho, o Tesouro avaliou que uma opção seria substituir os atuais indexadores de saúde, educação e das emendas parlamentares (com base no crescimento da arrecadação) por um “indexador consistente com o mecanismo de correção da despesa global”, ou seja, que variaria de 0,6% a 2,5% em termos reais por ano.

Ricardo Volpe, consultor da Câmara dos Deputados, recomendou que, além dos gastos em saúde e educação, o salário mínimo também tenha a mesma regra de correção das demais despesas do novo arcabouço fiscal – algo que a área econômica não citou.

Já Manoel Pires, do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, concorda que o ideal seria que as despesas em saúde e educação tivessem um percentual fixo, mas não soube dizer se o governo vai conseguir aprovar essas mudanças no Legislativo.

Ele lembrou que o governo pode propor mudanças nos “parâmetros” do arcabouço por meio de lei complementar – entre eles o limite para gastos de 2,5% ao ano em termos reais.

“Mexer em regra fiscal sempre gera algum ruído, mas se no momento em que isso tiver que acontecer você já tiver um superávit primário mais elevado e dívida em queda, isso vai ter um impacto pouco relevante nesse tipo de discussão”, avaliou Manoel Pires.

Fonte G1 Brasília

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