Relatórios divulgados pela Controladoria-Geral da União (CGU) nas últimas semanas mostraram um acúmulo de fragilidades na gestão, problemas burocráticos e falhas graves de execução em programas que movimentaram centenas de bilhões de reais ao longo do governo Jair Bolsonaro.
As falhas atingem ações como o Auxílio Emergencial, Auxílio Brasil, Auxílio Gás, Auxílio-Taxista e Auxílio-Caminhoneiro.
Nesta sexta-feira (2), a CGU divulgou, por exemplo, relatórios que mostraram pagamentos indevido de quase R$ 2 bilhões em auxílios do governo Bolsonaro a taxistas e caminhoneiros em 2022. No último dia 15, foi divulgada uma auditoria que tratava de R$ 3,89 bilhões em pagamentos irregulares no Auxílio Brasil.
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Outro documento divulgado pelo órgão de controle nesta sexta, a auditoria anual de contas, aponta a dimensão dos problemas de gestão ao longo do último ano no Ministério da Cidadania, hoje transformado no Ministério do Desenvolvimento Social.
Distorções
A auditoria anual aborda especialmente temas contábeis e burocráticos, mas mostra o preço das falhas tanto do ponto de vista financeiro quanto da qualidade dos serviços prestados.
Segundo as conclusões do documento, a distorção no valor das demonstrações contábeis do ministério chega a R$ 6,34 bilhões, ultrapassando “os critérios de materialidade para fins de emissão de opinião”.
Parte da distorção é causada, por exemplo, pelos problemas do órgão em cobrar e receber os valores pagos indevidamente no Auxílio Emergencial. Segundo os auditores, o ministério calculou que os pagamentos irregulares dentro do programa, feitos em 2020 e 2021, somam R$ 7 bilhões. Mas apenas 0,06% deste valor, R$ 4,412 milhões, foram efetivamente processados para serem cobrados.
Outra falha identificada foi na contabilidade dos benefícios pagos e devolvidos espontaneamente por não terem sido sacados. Neste caso, a CGU teve dificuldades em saber o que foi feito com que cerca de R$ 208 milhões — de mais de R$ 1 bilhão registrado como estornado.
“Essas situações demonstram a fragilidade no acompanhamento e registros das devoluções e estornos de benefícios e limitam a emissão de opinião da auditoria em relação ao montante de R$ 208 milhões. Estas falhas decorrem, em grande medida, de controles deficientes do ministério que, mesmo tendo acesso às informações necessárias para o adequado registro das devoluções/estornos (…) reincide em apresentar dados contábeis distorcidos”, diz o documento.
A CGU constatou que em vários casos não foi possível identificar qual era o benefício associado à devolução ou o público ao qual o dinheiro havia se destinado. Quando foi possível avaliar, o atraso na devolução chegou a 389 dias, em média, para os benefícios do Auxílio Emergencial Residual.
Para os auditores, a atuação do ministério nestes casos “apresenta fragilidades em relação à conciliação das operações de devolução de recursos, resultando na elevação dos riscos associados a processos financeiros sensíveis e de alta materialidade, que são realizados de forma unilateral pela Caixa.”
Auxílio Gás
Os auditores reforçaram as conclusões do outro relatório sobre pagamentos indevidos do Auxílio Brasil, que em média chegaram a 800 mil famílias mensalmente, e identificaram fragilidades semelhantes no programa do Auxílio Gás.
O programa paga 100% do valor de um botijão de gás a cada dois meses para famílias inscritas no Cadastro Único do governo federal que atendam os seguintes critérios:
- renda familiar mensal per capita menor ou igual a meio salário mínimo;
- tenham entre seus membros residentes no mesmo domicílio quem receba o Benefício de Prestação Continuada da assistência social, o BPC, que prevê um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem a família;
Segundo o documento, foram pagos ao todo R$ 2,8 bilhões relativos ao programa ao longo de 2022, atingindo mensalmente 5,759 milhões de famílias no segundo semestre do ano. Mas 343.948 mil destas famílias, em média, receberam o benefício sem ter direito.
Eram pessoas com renda acima do limite do programa, com registro de falecimento na família e pendências de cadastro, por exemplo. Ao todo, concluíram os auditores, os pagamentos indevidos do Auxílio Gás chegaram a R$ 105,87 milhões ao longo de 2022.
Do outro lado, a auditoria identificou que entre junho e agosto do ano passado, 83.416 famílias que tinham direito a receber o benefício ficaram de fora do programa. Outro problema encontrado foi nas regras de prioridade do programa, que nem sempre foram aplicadas.
É o caso da priorização de mulheres vítimas de violência doméstica sob medidas protetivas, que não ocorreu por dificuldades técnicas do ministério na identificação.
Até no cálculo dos benefícios os problemas de gestão tiveram impacto significativo. Segundo os técnicos da CGU, “na hipótese de uma revisão na metodologia de arredondamento do valor do benefício, em que pese possíveis dificuldades operacionais mencionadas pelos gestores, oportunizaria o pagamento adicional de 238.115 benefícios no exercício de 2022, sem que houvesse elevação da despesa mensal e sem impacto relevante sobre os valores recebidos por cada família já beneficiada.”
Fiscalização falha
Outro tópico abordado pelos auditores envolve as transferências do Fundo Nacional de Assistência Social, o FNAS. Nestes casos, o governo federal envia recursos para os fundos de assistência social dos estados e municípios para financiar projetos e programas de assistência social.
Segundo a CGU, a análise das prestações de contas dos recursos do FNAS “é frágil, uma vez que há acesso limitado a informações sobre a execução das despesas e o processo automatizado de análise abrange tão somente aspectos relacionados a integridade da informação.”
O órgão de controle também criticou a divulgação dos dados, já que as informações sobre o uso do dinheiro “não possuem o nível de transparência preconizado pela legislação limitando assim o controle social.”
A fiscalização também mostrou falhas no caso das transferências voluntárias. Ao fim de 2022, o Ministério da Cidadania registrava cerca de R$ 116,69 milhões em transferências sem prestação de contas no período previsto e outros R$ 419,2 milhões em casos com prestação apresentada, mas ainda sem análise. Em muitos destes casos, o ministério não abriu os procedimentos adequados de cobrança.
Para a CGU, são inconformidades que “evidenciam a existência de fragilidade nos controles internos relacionados ao processo de prestação de contas de recursos transferidos por meio de transferências voluntárias, demandando aprimoramentos para que o Ministério se assegure da regular aplicação dos recursos que transfere e busque o ressarcimento de eventuais recursos mal aplicados.”
Fonte G1 Brasília