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CCJ da Câmara adia discussão de anistia a golpistas do 8 de janeiro para outubro

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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara adiou para outubro a votação da proposta que perdoa condenações de vândalos envolvidos com os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

  • A expectativa da presidente do colegiado, deputada Caroline de Toni (PL-SC), é que o projeto volte à agenda da CCJ em 8 de outubro. Oposicionistas acreditam que, nesta data, será possível concluir a discussão e votar o chamado ?PL da Anistia?.

Uma das principais pautas da oposição ao governo no Congresso e considerada “moeda de troca” nas tratativas para a sucessão do comando da Câmara, o projeto é criticado por juristas (veja mais aqui), que avaliam ser “inconstitucional” anistiar crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Ao todo, 1.644 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal por envolvimento com os ataques que depredaram prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto, em uma tentativa de desestabilizar a ordem democrática e questionar o resultado das eleições de 2022.

O STF já condenou 227 pessoas pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Além de perdoar condenações por envolvimento com o 8 de janeiro, o projeto modifica:

  • regras para julgamentos de pessoas comuns em casos que envolvem autoridades com foro privilegiado
  • e critérios para enquadrar pessoas no crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, estabelecendo que é preciso haver violência contra pessoa

Prevê, ainda, que condenações por crimes contra o Estado Democrático de Direito não poderão ser baseadas nos chamados crimes multitudinários ? aqueles cometidos em grupo, quando todos contribuem para o resultado a partir de uma ação conjunta.

Essa tese tem sido aplicada pelo STF na condenação de réus pelos atos golpistas.

Para virar lei, a proposta de anistia precisa ser aprovada pela CCJ e ser chancelada pelo plenário principal da Câmara dos Deputados. Na sequência, ainda terá de ser submetida à análise do Senado.

Por fim, se aprovada nas duas Casas, também precisaria ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode vetar trechos ou a íntegra do texto. Em caso de veto, a palavra final cabe ao plenário do Congresso Nacional.

Veja a seguir os principais pontos do texto sugerido por Rodrigo Valadares à CCJ (clique no link para seguir ao conteúdo):

A anistia

O objetivo central do texto de Rodrigo Valadares, segundo ele próprio, é perdoar os participantes dos atos golpistas de 8 de janeiro que foram presos ou que estão sendo investigados.

Com um histórico de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de defesa da anistia a vândalos, Valadares defende a medida como forma de “apaziguamento?. Em seu parecer, ele relativiza, no entanto, os ataques às sedes dos Três Poderes.

O relator diz lamentar o ocorrido, mas afirma que os vândalos foram tratados com “rigor excessivo” e que eles não “souberam naquele momento expressar seu anseio por liberdade”.

A proposta sugerida por ele à CCJ prevê o perdão a todos os delitos ? com motivação política ou eleitoral, e outros definidos pelo Código Penal ? ocorridos entre 8 de janeiro e a eventual data de entrada em vigor da lei por pessoas que:

  • participaram de manifestações com motivo político ou eleitoral nessas datas
  • financiaram e apoiaram os atos no período

A anistia, segundo o parecer de Valadares, poderá valer para eventos anteriores ou posteriores, caso tenham relação com os atos de 8 de janeiro.

E o perdão também alcançará qualquer medida de restrição de direitos ? imposta por liminar ou sentença, transitada ou não em julgado ? que “limitem a liberdade de expressão e manifestação” em redes sociais.

Pela proposta, a concessão da anistia será automática, no momento em que a lei entrasse em vigor ? sem a necessidade de o condenado pedir o perdão à Justiça.

?A anistia é um benefício concedido pelo Congresso, por meio de uma lei, com a sanção do presidente. Essa lei extingue a pena de um crime e todas as suas consequências. Pode ocorrer antes ou depois de uma sentença de condenação. Se depois da condenação, por exemplo, quem está preso, deve ser solto, e o crime deixa de constar na ficha de antecedentes da pessoa. Ou seja: se voltar a cometer um crime da mesma lista, por exemplo, o beneficiado não será considerado reincidente.

O texto também prevê outros benefícios:

  • anulação de multas da Justiça Eleitoral ou da Justiça Comum a pessoas físicas e jurídicas por participar de manifestações ou por financiar e apoiar atos entre 8 de janeiro e a eventual data de entrada em vigor da lei
  • devolução de direitos políticos e fim de outras implicações cíveis ou penais para todos os beneficiados pela anistia

A anistia, de acordo com a proposta, não poderá ser pleiteada para os seguintes crimes:

  • tortura
  • tráfico de droga
  • terrorismo
  • hediondos
  • contra a vida
  • dano em patrimônio histórico
  • dano em patrimônio público
  • lesão corporal
  • e incêndio com perigo à vida

Crimes contra o Estado

O texto oferecido por Valadares à CCJ estabelece que, para haver tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, é preciso que haja uso de “violência contra pessoa?.

A mudança satisfaz um argumento amplamente utilizado pelos defensores dos vândalos golpistas. Eles dizem não ter ocorrido uma tentativa de inversão da ordem democrática em janeiro de 2023 com emprego de violência.

É o que tenta dizer o próprio relator no parecer: ?Não foram encontradas armas, os serviços administrativos não funcionavam naquele domingo?.

Apesar disso, registros mostram, por exemplo, que policiais sofreram agressões nos ataques às sedes dos Três Poderes, e que uma policial militar chegou a ser atirada da cúpula do Congresso Nacional.

  • Pelo projeto, uma pessoa somente poderá ser enquadrada no crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito se fosse comprovado que houve uso de violência contra pessoa ou grave ameaça.

Atualmente, não está previsto que é preciso haver violência contra pessoa. A pena, segundo o projeto, continuará a ser a mesma (quatro a oito anos de reclusão).

Também sofrerá mudança parecida, de acordo com o parecer de Valadares, o crime de tentativa de depor governo “legitimamente constituído”.

A punição seguirá a mesma (quatro a 12 anos de reclusão), mas também será preciso comprovar, segundo a proposta, que houve violência contra pessoa ou grave ameaça.

Defensores dessas mudanças dizem que, se os trechos existissem dessa forma à época do 8 de janeiro, vândalos não poderiam ter sido julgados por atentar contra o Estado Democrático de Direito.

Outra alteração proposta por Valadares vai de encontro às condenações do Supremo contra golpistas.

Pelo texto discutido na CCJ, condenações por crimes contra o Estado Democrático de Direito não poderão ser baseadas nos chamados crimes multitudinários ? cometidos por um grupo de pessoas em um tumulto.

A proposta diz, ainda, que será preciso haver a “individualização concreta dos atos praticados por cada coautor ou partícipe”.

A tese dos crimes multitudinários tem sido aplicada pelo Supremo nas condenações de réus pelos atos golpistas desde setembro de 2023.

Na primeira condenação, há um ano, o relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, defendeu que, em casos semelhantes ao 8 de janeiro, havia “barreiras intransponíveis” para a individualização das condutas, uma vez que “todos contribuem para o resultado”.

Financiamento de movimentos

O relator também propôs que pessoas físicas e jurídicas não poderão ser diretamente punidas por financiar movimentos e manifestações em que integrantes agirem contra a lei.

A responsabilização penal, segundo o parecer, somente poderá ocorrer se houver comprovação de:

  • dolo direto
  • e nexo causal entre o auxílio prestado, as condutas antijurídicas praticadas e o resultado produzido

Foro privilegiado

O parecer de Rodrigo Valadares também prevê mudanças no julgamento de pessoas comuns em inquéritos que envolvem pessoas com foro privilegiado ? prefeitos, juízes, deputados, ministros, governadores e senadores, por exemplo.

Segundo a proposta, réus atraídos a uma instância superior somente poderão ser julgados de forma conjunta ou na sequência da pessoa com foro privilegiado ? nunca em “marcha mais célere”.

O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que é o autor do trecho adotado por Valadares em seu parecer, justifica as alterações como forma de evitar que processos de pessoas comuns sejam levadas ao Supremo ?a partir da alegada participação de parlamentares detentores do foro?.

O projeto também estabelece que, assim que uma autoridade perder o foro, todos os julgamentos e pessoas atraídas por ela para uma instância superior deverão ser imediatamente redistribuídos para as instâncias adequadas na Justiça ? independentemente da fase processual.

Anistia proposta é ?inconstitucional?, avaliam especialistas

Especialistas em direito constitucional criticam o texto e apontam que, embora o Congresso tenha competência constitucional para conceder anistia, há um conflito em tentar perdoar crimes contra o Estado Democrático de Direito e uma tentativa de enfraquecer o Poder Judiciário.

Segundo o doutor em direito constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Ademar Borges, a Câmara tem competência para aprovar uma lei de anistia, mas a anistia não pode incidir sobre esse tipo de crime.

“O STF decidiu que é inconstitucional a anistia dada às pessoas que cometem crimes contra o Estado Democrático de Direito. Sendo assim, o perdão para esse tipo de crime seria inconstitucional”, afirmou.

A avaliação é semelhante à do advogado criminalista André Perecmanis, também professor de direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

“O Congresso se colocaria acima do Judiciário, outro precedente perigosíssimo. Anistia é um instrumento previsto na Constituição, mas a aplicação nesse caso é inconstitucional”, avaliou Perecmanis.

Para o professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio, há uma contradição na proposta ao estabelecer anistia para condenados que tentaram agir contra o próprio Congresso.

“Pelo inciso 44 interpretado literalmente, o Congresso pode até aprovar um PL de anistia, todavia é absolutamente contraditório imaginar que um projeto de lei conceda anistia a quem agiu contra a própria democracia, fundamento maior da separação de poderes”, disse.

O professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Wallace Corbo, segue a mesma linha: “O poder Legislativo para burlar a proteção à democracia está anistiando crimes contra a democracia”.

Movimento da oposição

Nos bastidores, a proposta de anistia tem sido avaliada por parlamentares aliados a Jair Bolsonaro, derrotado nas urnas em 2022, como um “moeda de troca” na disputa pela sucessão de Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara.

A intenção de fazer andar uma proposta de anistia aos vândalos ficou clara no último fim de semana, em um discurso do próprio ex-presidente Bolsonaro em São Paulo.

“Anistia é um remédio político. O Congresso pode nos dar esse remédio político. Nós merecemos isso”, declarou Bolsonaro.

Desde o último ano, parlamentares de oposição têm afirmado que podem condicionar o seu apoio ao comprometimento de um candidato com o eventual avanço do texto na Casa.

Mesmo que a proposta venha a ser aprovada pela CCJ, cabe ao presidente da Câmara pautar o texto em plenário. Por esse motivo, é importante, para os opositores, ter alguém alinhado na cadeira principal da Casa.

Fonte G1 Brasília

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