A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deve começar a analisar nesta terça-feira (10) o projeto de lei que propõe anistia aos vândalos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 resultaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília por grupos que tinham reivindicações antidemocráticas.
Os vândalos depredaram prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto, em uma tentativa de desestabilizar a ordem.
Desde então, os envolvidos têm sido processados e julgados pelo STF.
- ??O projeto de anistia visa perdoar os participantes desses atos que foram presos ou que estão sendo investigados.
Segundo o relator do projeto de lei, deputado Rodrigo Valadares (União-SE), o texto vai anistiar envolvidos que tiverem relação com a depredação de 8 de janeiro.
Mas não há clareza se valerá só para quem já foi preso ou também para quem eventualmente for preso no futuro.
“Ainda não sabemos até que ponto essa anistia pode chegar. Se será apenas para os presos ou valerá para pessoas investigadas que ainda poderão ser presas”, afirmou Valadares.
“Fatos anteriores ao 8 de janeiro não estão contemplados no PL”, completou.
Bastidores
Embora esteja pautado para esta terça, o projeto não deverá ser votado.
A expectativa é que Valadares faça a leitura do seu parecer. E que, na sequência, com o início da discussão, deputados peçam vista (mais tempo para análise), o que empurrará a votação para depois das eleições municipais de outubro.
Nos bastidores, a proposta tem sido avaliada por parlamentares aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas urnas em 2022, como um ?moeda de troca? na disputa pela sucessão de Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara.
Desde o último ano, parlamentares de oposição têm dito que podem condicionar o apoio ao comprometimento de um candidato com o eventual avanço do texto na Casa.
A intenção de fazer andar uma proposta de anistia ficou clara no último fim de semana, em um discurso de Bolsonaro durante manifestação em São Paulo.
Contradição
Juristas afirmam que o texto fere a Constituição de 1988.
Para o professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio, há uma enorme contradição na proposta.
Segundo ele, a partir do PL, o Congresso Nacional estaria concedendo anistia àqueles que buscaram, justamente, fechar o Congresso Nacional.
“Pelo inciso 44 interpretado literalmente, o Congresso pode até aprovar um PL de anistia, todavia (…) é absolutamente contraditório imaginar que um projeto de lei conceda anistia a quem agiu contra a própria democracia, fundamento maior da separação de poderes”, justificou Sampaio.
O professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Wallace Corbo, fez uma análise parecida e sinalizou que uma eventual aprovação implicaria no desvio do poder Legislativo.
“O poder Legislativo para burlar a proteção à democracia está anistiando crimes contra a democracia”, pontuou Corbo.
Segundo ele, o projeto de lei viola até mesmo os direitos humanos. “O direito humano aqui é o próprio direito humano à democracia que esses atos tentaram derrubar. Então, sem dúvida um projeto desse tipo, ele não é compatível com a Constituição de 1988”, argumentou o professor.
O advogado e cientista política Nauê Bernando lembra que cabe a Suprema Corte guardar a Constituição e que ela já declarou que a anistia é inconstitucional. Portanto, qualquer medida nesse sentido será declarada inconstitucional pelo STF.
“O que teria que acontecer em uma democracia constitucional seria ou demonstrar efetivamente que houve uma mudança que justifique isso, ou não tomar tal medida, pois ela soaria apenas como uso eleitoreiro de um instrumento muito importante, a anistia, para enfrentar ou enfraquecer outra instituição”, afirmou Bernardo.
“Portanto, da forma como isso está agora, estamos falando de um ato claramente inconstitucional, que tem o único fito de enfrentar a Suprema Corte”, prosseguiu o especialista.
Interesse público
Advogado e doutor em direito constitucional pela UERJ, Ademar Borges, mencionou que a Câmara tem competência para aprovar uma lei de anistia, mas a anistia não pode incidir sobre esse tipo de crime.
“O STF decidiu que é inconstitucional a anistia dada às pessoas que cometem crimes contra o Estado Democrático de Direito. Sendo assim, o perdão para esse tipo de crime seria inconstitucional”, sinalizou.
O advogado criminalista André Perecmanis, também professor de direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), chama a atenção para o interesse público do instrumento da anistia.
Segundo ele, não se trata de um ato de mera vontade política do Congresso para atender a uma vontade partidária.
Ele explica que para se admitir como válida uma anistia, nesse caso, não poderia abrir um precedente.
“O Congresso se colocaria acima do Judiciário, outro precedente perigosíssimo. Anistia é um instrumento previsto na Constituição, mas a aplicação nesse caso é inconstitucional”, reforça Perecmanis.
Fonte G1 Brasília