Recentemente, uma decisão inusitada do Poder Judiciário gerou controvérsia ao permitir que uma empresa em processo de falência utilizasse uma área rural de propriedade da União Federal através de terceiros, por meio de arrendamento da posse. O Juiz da vara falimentar decidiu permitir a posse da área da União de mais de 5 mil hectares, que antes era usada no cultivo de cana-de-açúcar e agora explorada por uma empresa gigante do agronegócio matogrossense. Na mesma decisão o juiz falimentar revogou uma decisão da Justiça Federal que determinou a reintegração da posse da área para a União e determinou a retirada de cerca de 200 famílias sem-terra (vulneráveis) que ocupam há mais de 15 anos uma área de 400 hectares com a autorização do Incra, portanto da União. Essa situação levanta importantes questões jurídicas e éticas que merecem ser discutidas, considerando os princípios da função social da propriedade e a proteção dos bens públicos. O arrendamento da posse de uma área pertencente à União, sem a observância das normas que regem a utilização de bens públicos, atende ao interesse público e coletivo? É legal permitir que uma empresa em falência, sem qualquer atividade econômica, mantenha a posse de terras públicas através de arrendamentos? Isso ofende o direito à propriedade da União? Qual a equidade no tratamento da decisão judicial em permitir a continuidade de posse de terras pública em favor da empresa em falência, sendo explorada por uma terceira empresa e, na mesma decisão determinar que 200 famílias desocupem parte da área em cuja ocupação ocorre de forma pacífica e com a autorização da União, a proprietária. Essa decisão desafia os princípios de justiça e equidade? Essa decisão gera a impressão de que a Justiça está sendo aplicada de forma desigual, favorecendo interesses privados em detrimento do coletivo? É certo que decisão judicial deve ser questionada nos autos e pelos recursos apropriados e cabíveis, mas decisões judiciais dessa natureza e conteúdo geram diversas controvérsias em relação a função do Poder Judiciário. Em decisão precária e liminar o Tribunal de Justiça suspendeu a decisão de reintegração dos 400 hectares ocupados há 15 anos por cerca de 200 famílias. Contudo, é essencial que o Poder Judiciário reavalie essa situação à luz do interesse público e coletivo. A Recuperação Judicial não pode ser utilizada como amuleto para beneficiar uma empresa que não cumpre mais a sua função social. A Justiça não deve ser um instrumento de proteção a aqueles que falham em suas obrigações, mas sim um mecanismo de promoção do bem comum e da responsabilidade social.
Emanoel Bezerra Junior – Advogado em Mato Grosso – Sócio do escritório Bezerra & Curado Advogados Associado