A isenção à remuneração de pastores e líderes religiosos, suspensa pela Receita Federal nessa quarta-feira (17), já soma impacto de quase R$ 300 milhões aos cofres públicos.
Relatório ao qual o blog teve acesso mostra que existem atualmente 26 processos administrativos e um judicial questionando a tributação. Enquanto tramitam, as cobranças são suspensas. Só o processo judicial discute R$ 177 milhões de impostos.
Existem ainda quatro processos com a dívida reconhecida e mais 12 cujos débitos foram parcelados. Ao todo, R$ 293.753.452,97 não chegam aos cofres públicos por conta do impasse. O montante é suficiente para pagar o Bolsa Família a 428,4 mil famílias, considerando o valor médio de R$ 685,61 para o benefício.
Foi esse relatório que motivou a Receita Federal a se antecipar à decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) e suspender temporariamente o entendimento anterior em relação à prebenda, valores pagos a pastores pelo tempo dedicado às igrejas. Eles agora passam a ser considerados remuneração e, sobre eles, passam a incidir tributos como o previdenciário. Em nota oficial, o órgão atribuiu a revisão da norma a uma “determinação do Ministério Público do TCU”.
Desgaste
A justificativa apresentada pela equipe econômica para a mudança na tributação da remuneração dos pastores aprofundou o desgaste com o Congresso e pegou mal entre ministros do TCU (Tribunal de Contas da União).
Entre os ministros da corte de Contas, o desconforto foi imediato. Embora haja de fato uma percepção de que a isenção abre brechas para abusos, o processo ainda está tramitando e não há nenhum despacho sobre o assunto do relator da matéria, ministro Aroldo Cedraz. Apesar dos apontamentos feitos pelo MPTCU de riscos ao erário, não cabe a ele nenhuma decisão e o relator, a quem cabe se manifestar, determinou antes a oitiva da Secretaria Especial da Receita.
Por isso, a avaliação entre os ministros é de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva jogou o TCU no meio da crise para se blindar com a bancada evangélica. Uma nota foi publicada no final da tarde de quarta-feira (17) para marcar posição.
Ainda assim, a equipe econômica não conseguiu se blindar do desgaste com os parlamentares evangélicos, que também reagiram. Líderes do Congresso destacam que o ministro Fernando Haddad encerrou 2023 bem avaliado e conquistou vitórias como a reforma tributária, mas já acumula dois desentendimentos em 2024 antes mesmo do início dos trabalhos legislativos. Além da prebenda, senadores e deputados receberam mal a medida provisória revendo decisão sobre a desoneração de alguns setores da economia.
Na Receita, fontes ouvidas pelo blog reconhecem que a nota atribuindo a revisão à “determinação do MPTCU” foi mal redigida, mas alegam ter ficado em uma sinuca de bico a partir das manifestações da corte de contas. Pareceres da área técnica e mesmo a representação do MPTCU alertam para os riscos de dano ao erário, diante dos quais a equipe econômica poderia ser acusada de prevaricação.
Como o processo já se arrasta desde 2022 sem conclusão, a Receita optou por se antecipar à conclusão e suspender temporariamente o entendimento anterior até a manifestação final do TCU. Caso ao final do processo a corte entenda ser justificada a isenção sobre a prebenda, a Receita retomará a regra editada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Histórico
O Secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, suspendeu uma decisão do governo Bolsonaro que garantiu isenção tributária sobre salários de ministros de confissão religiosa, como pastores.
O Ato Declaratório Interpretativo que concedeu o benefício foi assinado por Julio César Vieira Gomes, às vésperas da eleição de 2022. Julio César é o mesmo que esteve envolvido na tentativa de liberação das joias dadas que o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou incorporar ao seu patrimônio.
A concessão da isenção aos líderes religiosos foi considerada atípica porque não passou pelo crivo da subsecretaria de tributação da Receita.
O Tribunal de Contas da União também estava investigando o procedimento de Julio Cesar.
Fonte G1 Brasília