O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a responsabilidade das redes sociais pelos conteúdos publicados pelos usuários. Ou seja, na prática, vai definir em que circunstâncias as big techs podem responder por danos de postagens dos cadastrados em suas plataformas.
A discussão envolve um ponto do Marco Civil da Internet ? a lei de 2014 que funciona como uma espécie de Constituição para o uso da rede no Brasil, ao estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para usuários e empresas.
??A questão é saber se uma rede social pode ser condenada na Justiça, por exemplo, ao pagamento de indenização por danos morais por não ter agido para remover um conteúdo considerado ofensivo a direitos, com discurso de ódio ou desinformação.
- Atualmente, a legislação estabelece que as plataformas digitais só serão responsabilizadas se, depois de uma ordem judicial específica, não tomarem providências para retirar o material do ar.
A Corte iniciou a análise do caso na última quarta-feira (27). Na ocasião, o presidente Luís Roberto Barroso afirmou que a discussão é importante.
Lembrou que o tribunal aguardou “por período bastante razoável” que a lei fosse alterada pelo Congresso, mas que isso não aconteceu. “Chegou a hora de decidirmos essa matéria”, disse.
O presidente também disse esperar que os relatores encerrem seus votos na próxima semana e que o caso seja decidido ainda este ano. O ministro Alexandre de Moraes salientou que é um dos temas mais importantes sob análise da Corte.
O g1 explica o que o Supremo julga e quais são os próximos passos do julgamento.
Você vai ler nesta reportagem:
- O que o STF está julgando?
- O que diz o Marco Civil da Internet?
- O que dizem participantes do processo?
- O que os ministros declararam nas primeiras sessões de julgamento?
- Em que ponto está o julgamento?
- Por que o tribunal analisa o caso?
- Quais os efeitos de uma decisão do Supremo?
O que o STF está julgando?
A Corte se debruça sobre dois recursos que tratam da responsabilidade das plataformas digitais diante de atos e conteúdos ilegais realizados por seus usuários.
?Entre eles, a publicação de conteúdo ofensivo ou fora da lei; e a criação de perfis falsos de outras pessoas, usados para expor a vítima e para a prática de outras ações ilícitas.
?Na prática, a questão é saber se uma empresa desta área responde e pode ser sancionada na Justiça porque não tomou providências diante destas irregularidades.
O que diz o Marco Civil da Internet?
Os recursos trazem à mesa de debates um trecho do Marco Civil da Internet, a lei que estabelece as regras gerais de funcionamento da internet no Brasil.
?A discussão envolve o artigo 19, que afirma: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Atualmente, as redes só são obrigadas a remover um conteúdo com uma ordem judicial neste sentido. E são punidas apenas se não cumprirem a decisão.
O que dizem participantes do processo?
Quem questiona a validade do trecho do Marco Civil afirma que a regra representa uma imunidade para as plataformas digitais.
Isso porque, além de não serem obrigadas a agir para combater os danos antes de uma decisão judicial, se elas atenderem à ordem da Justiça, não sofrem sanções.
Para este grupo de instituições, nestas circunstâncias, o dano para quem é atingido pelo conteúdo ofensivo se perpetua, já que é preciso ter recursos para acessar a Justiça e aguardar um pronunciamento oficial para resolver a questão ? o que pode levar tempo.
Também pontuam os efeitos desta regra para a garantia de direitos coletivos ? como o de crianças e adolescentes expostos a conteúdos irregulares nas redes.
Representantes das plataformas digitais sustentam a validade do art. 19. Defendem o modelo atual e argumentaram que as redes sociais se esforçam para retirar conteúdos ilícitos, a partir das regras que já estabelecem para o funcionamento de seus sites e aplicativos, chamadas de autorregulação.
Pontuam, ainda, que há um risco de serem alvos de processos de usuários que tiveram posts removidos.
O que os ministros declararam nas primeiras sessões de julgamento?
Até o momento, só o relator Dias Toffoli apresentou parte de seu voto. Os ministros ainda não divulgaram seus posicionamentos, mas participaram ativamente das discussões nas primeiras sessões, quando os representantes dos especialistas apresentaram suas exposições.
Na primeira sessão, o presidente Luís Roberto Barroso ressaltou a importância do tema. E informou que o tribunal aguardou uma mudança na lei pelo Congresso, que não veio. Defendeu que chegou a hora de a Corte analisar o assunto e disse esperar que a conclusão do julgamento seja ainda este ano.
Os relatores ? Dias Toffoli e Luiz Fux ? pontuaram a relevância do caso. Para o ministro Alexandre de Moraes, é um dos casos mais importantes a serem julgados pelo Supremo neste ano.
Também ao longo destas sessões, os ministros foram sinalizando as necessidades de aperfeiçoamento do modelo de responsabilidade das redes.
Alexandre de Moraes, por exemplo, falou da dificuldade de retirar do ar perfis fakes que usam seu nome.
Em outra sessão, o papel das redes sociais diante de conteúdos golpistas no 8 de janeiro também foi tema de debate. Os ministros lembraram que transmissões ao vivo dos atos antidemocráticos só foram retirados do ar com a intervenção judicial.
Em que ponto está o julgamento?
Na última quinta-feira (28), o ministro Dias Toffoli começou a apresentar seu voto. Relator de um dos processos, ele deverá concluir seu pronunciamento na próxima quarta-feira (4).
Na sequência, o relator do outro caso, o ministro Luiz Fux, vai apresentar seu voto no processo do colega. Em seguida, se posiciona quanto ao recurso que está sob sua responsabilidade.
Por que o tribunal analisa o caso?
Porque, pela Constituição, o Supremo Tribunal Federal tem a tarefa de se debruçar sobre temas que envolvem direitos e princípios constitucionais. Neste caso, estão em jogo direitos como liberdade de expressão, livre iniciativa, defesa do consumidor, intimidade e imagem.
Os processos chegaram na Corte em formato de recursos. Ou seja, começaram com situações concretas na primeira instância da Justiça: o caso de uma mulher que foi vítima de um perfil falso criado com seus dados; e o de outra mulher que foi ofendida por uma página falsa, criada para difamar e expô-la.
Quando chegaram ao Supremo, os ministros observaram que a questão vai além apenas destes dois casos. E que é preciso discutir um entendimento a ser aplicado para decidir casos semelhantes.
Quais os efeitos de uma decisão do Supremo?
Como o tribunal entendeu que a questão é ampla, decidiram aplicar o sistema de repercussão geral. Assim, uma decisão tomada por eles será aplicada em processos que tramitam em instâncias inferiores e discutem a mesma questão.
Ou seja, os ministros vão elaborar uma tese, uma espécie do resumo de seus entendimentos que serão usadas como guia pela Justiça brasileira.
Fonte G1 Brasília