Em reuniões online diárias, o grupo de transição de igualdade racial do novo governo Lula (PT) tem a missão de indicar nomes de referências negras para compor todas as pastas da gestão petista. Além de fazer um raio-x da área, que teve seu orçamento reduzido a zero, os integrantes têm como prioridade colocar o combate ao racismo no centro das pautas, da economia às mudanças climáticas, e pleiteiam a criação de um ministério para tal.
?Essa é a nossa grande tarefa?, afirma Nilma Lino Gomes, convidada pela coordenação da equipe de transição do novo governo para liderar o grupo, que é formado por mais sete integrantes.
Nilma foi ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2015, e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, entre 2015 e 2016, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Também foi a primeira reitora negra de uma universidade pública federal, a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB).
?Reconstruir o ministério significa o retorno e a reconstrução das políticas de igualdade racial que foram desmontadas pelo governo Bolsonaro.?
A equipe de transição é responsável por identificar riscos, fazer alertas, apontar ilegalidades e necessidades de apuração por parte dos órgãos de controle.
Na última quinta-feira (17), o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, coordenador do gabinete de transição, oficializou os oito nomes que integrarão o grupo técnico de igualdade racial.
Eles devem entregar até o dia 30 de novembro um diagnóstico preliminar, com análise do que está sendo feito hoje na área, os programas das gestões do PT que foram descontinuados, e uma lista com sugestões de atos normativos que devem ser revogados pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Até 11 de dezembro, os GTs devem apresentar um relatório final, incluindo as medidas prioritárias para os primeiros 100 dias de governo. Esse documento será entregue ao ministro da área, que será escolhido por Lula.
Sem verba
O atual governo, de Jair Bolsonaro (PL), não alocou nenhum recurso para a promoção da igualdade racial na PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2023. Hoje, essa é uma política pública de responsabilidade do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Voltar a investir na área é uma das mudanças que serão propostas pelos integrantes do GT. A criação de um ministério, segundo Yuri Silva, garante o monitoramento de políticas públicas voltadas para a igualdade racial em todas as pastas do governo.
?A população pobre das periferias, sobretudo as mulheres e homens negros, é o público mais afetado pela ausência de políticas públicas?, diz Yuri, que é coordenador nacional do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e coordenador de Direitos Humanos do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE).
O ativista foi indicado ao cargo pelo Operativo Nacional da Convergência Negra, fórum de unidade do movimento negro brasileiro que reúne 14 organizações históricas.
Para Yuri, trata-se de um ?erro técnico? tratar como setorial uma pauta que diz respeito a 56% da população, especialmente após a pandemia, que ?ajudou a descortinar a profundidade da desigualdade social no Brasil?.
Douglas Belchior, uma das principais lideranças negras dentro do PT, defende um acerto de contas dos desmontes na gestão Bolsonaro.
?O governo Bolsonaro destruiu todos os espaços institucionais, principalmente na área ambiental, de igualdade de gênero e racial, dos direitos humanos. Agora vamos ter que reconstruir isso e denunciar à sociedade o que for sendo descoberto, os vários crimes que foram cometidos?, diz ele, que concorreu a uma cadeira na Câmara dos Deputados este ano, mas não conseguiu se eleger.
Violência e racismo ambiental
Belchior é historiador, fundador da Uneafro e integrante da Coalizão Negra por Direitos. Para ele, o grande objetivo do novo governo deve ser o ?fim da matança de pessoas negras pelo aparato armado do estado brasileiro?.
Preta Ferreira, líder do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro) concorda que é prioritário discutir a violência policial contra pessoas negras.
?Eu fui uma das vítimas dessa criminalização. Fui presa de forma arbitrária e injusta por 108 dias?, relembra. Em 2019 foi acusada de extorsão e associação criminosa por supostamente coagir moradores a pagarem taxas nas ocupações da capital paulista.
?A gente não pode ver o Brasil ser o terceiro país com mais presos no mundo e achar que isso é normal. O meu enfrentamento é contra a necropolítica e o encarceramento em massa da população preta. Eu senti na minha pele o que é ser uma presa injustiçada no país que mata a cada 23 minutos um jovem negro?
Outras metas são a ampliação das oportunidades de estudo, acesso à cultura e trabalho para a juventude negra, além da titulação e garantia de investimentos nos territórios quilombolas.
Em carta entregue por Belchior na COP 27, no Egito, a Lula a Coalizão Negra Por Direitos cobra que o novo governo dê prioridade à discussão sobre o racismo ambiental — termo que descreve o impacto dos eventos climáticos em populações vulneráveis devido às condições de moradia, alimentação, saúde e acesso à terra.
?Não haverá justiça climática sem justiça racial?, diz o texto da Coalização, que é a principal aliança nacional de movimentos negros, reunindo 340 organizações, desde 2019.
A co-fundadora da Coordenação Nacional dos Quilombos (CONAQ) Givânia Maria da Silva destaca a urgência no recenseamento da população quilombola. Esta é a primeira vez na história do Censo Demográfico que a comunidade poderá se identificar.
“As políticas para as comunidades [quilombolas] são novas ? não porque somos novos ? porque o Estado tem dificuldade de nos reconhecer como sujeitos.”
Aliança por representatividade
?Todas as pastas terão negros, principalmente mulheres e nordestinas, com muita experiência. Não tem como refazer o Brasil sem a mão das pessoas pretas?, declara Preta Ferreira. Nas gestões anteriores, o governo Lula foi cobrado pelas lideranças do movimento negro por mais representatividade em cargos de gestão.
A expectativa é de que o novo governo reconheça a necessidade de um ministério voltado para a formação da igualdade racial, afirma Givânia Maria da Silva, da CONAQ. “É para isso que nós estamos trabalhando.”
Yuri Silva atribui ao avanço mundial da extrema direita o reconhecimento da pauta racial pela agenda de oposição. “Os democratas do mundo precisaram de respostas”, diz.
O que o grupo pretende propor é um processo de reparação histórica, diz Iêda Leal, pedagoga e Coordenadora Nacional do MNU (Movimento Negro Unificado). ?Acabar com a miséria, garantir emprego, renda e dignidade humana é lutar contra o racismo?, diz.
Além de Nilma Lino Gomes, Douglas Belchior, Preta Ferreira, Yuri Silva e Gilvânia Maria Silva, também fazem parte do GT de igualdade racial outros dois nomes: Martvs das Chagas e Thiago Thobias.
Martvs é sociólogo e secretário da Prefeitura de Juiz de Fora. Ele foi ministro-chefe interino da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial durante o governo Lula. Já Thiago Thobias é advogado da Coalizão Negra por Direitos.
Fonte G1 Brasília