Artigo
A recente aproximação entre o União Brasil e o Partido Progressistas (PP) reacende memórias profundas da política brasileira. Mais do que uma mera coalizão eleitoral, trata-se da reconstituição, por vias sinuosas e democráticas, da antiga espinha dorsal da ditadura civil-militar instaurada em 1964. Trata-se, em termos históricos e ideológicos, da volta do Partido Democrático Social (PDS) — legenda que, no início dos anos 1980, foi a encarnação do autoritarismo travestido de legalidade e sustentáculo do regime durante o governo do general João Figueiredo.
A linhagem do poder: do Arena ao PDS
O caminho começa com a Aliança Renovadora Nacional (Arena), criada em 1965 para ser o braço político da ditadura após a extinção dos partidos pelo Ato Institucional nº 2. A Arena reinou no Congresso enquanto o MDB ocupava o papel de oposição consentida. Com o avanço do processo de abertura política no final da década de 1970, e pressionado pelo fim do bipartidarismo em 1979, a Arena foi extinta e, de suas cinzas, nasceu o PDS (Partido Democrático Social), em 1980.
O PDS foi o partido de sustentação do último presidente da ditadura, o general João Batista Figueiredo, e se manteve alinhado à lógica conservadora, desenvolvimentista e autoritária que marcava o regime militar. A legenda, porém, não resistiu ao processo de redemocratização: em 1984, parte significativa de seus quadros rompeu com a candidatura de Paulo Maluf (indicada pelo PDS para a eleição indireta) e apoiou Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral, dando origem ao Partido da Frente Liberal (PFL).
De dissidência liberal ao fisiologismo pragmático
O PFL, formado por liberais conservadores oriundos do regime, protagonizou a política nacional nos anos 1990 como principal aliado dos governos de Fernando Henrique Cardoso. Com o tempo, seu ideário liberal rendeu-se ao pragmatismo fisiológico. Em 2007, na esteira do desgaste do nome “PFL”, rebatizou-se como Democratas (DEM), buscando arejar a imagem e se distanciar das origens autoritárias. Mas a reconfiguração não apagou os vínculos históricos: era, essencialmente, o mesmo núcleo político.
Por outro lado, o que sobrou do velho PDS seguiu mutações paralelas. Passou a se chamar Partido Progressista Reformador (PPR) na década de 1990, depois PPB (Partido Progressista Brasileiro) e, enfim, PP (Progressistas). Este partido foi o abrigo de figuras centrais do fisiologismo contemporâneo e esteve presente em quase todos os governos desde FHC, incluindo Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, sendo peça-chave no centrão.
A fusão de 2021: União Brasil, um velho novo partido
Em 2021, o DEM se funde com o PSL, partido que havia abrigado Jair Bolsonaro em sua eleição, formando o União Brasil. A nova sigla pretendia representar uma direita moderna, de valores liberais, mas rapidamente cedeu às pressões do jogo político tradicional e manteve seu DNA conservador, herdado tanto do PFL quanto do bolsonarismo.
Com a atual união de forças entre o União Brasil e o PP — partidos que vieram de troncos distintos mas cujas raízes profundas se encontram na sustentação da ditadura — o que se vê é uma reconfiguração simbólica e pragmática do antigo PDS: conservador nos costumes, liberal na economia, ambíguo na democracia, forte no aparelho de Estado.
Conclusão: um ciclo que se recicla
A história dos partidos brasileiros, especialmente no campo da direita, é marcada por mutações nominais que escondem permanências estruturais. O que se apresenta hoje como um arranjo pragmático de centro-direita é, em essência, a sobrevida de uma tradição autoritária que nunca foi plenamente superada. A aliança entre União Brasil e PP não é apenas eleitoral: é histórica. É a volta do PDS — não em nome, mas em espírito, prática e projeto de poder.
Popó Pinheiro
Jornalista e Gestor Publico