A comissão especial que analisa a proposta de emenda à Constituição (PEC) que anistia partidos políticos por irregularidades nas prestações de contas feitas no passado se reuniu para analisar o parecer do deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), mas um pedido de vista adiou a votação. O texto deve ser analisado na próxima terça-feira (19).
??O grupo antigo será desativado. Mesmo que você já faça parte da nossa comunidade, é preciso se inscrever novamente.
Especialistas em transparência partidária criticam o texto e afirmam que se trata da maior anistia da história aos partidos. A proposta também reduz a verba para candidatas negros nas campanhas.
Vencida a etapa na comissão especial, os deputados precisam analisar a PEC no plenário da Câmara, em duas votações com pelo menos 308 votos. Em seguida, o texto também precisa passar por duas votações no Senado.
A PEC faz parte de um pacote de alterações em regras eleitorais que o Congresso pretende aprovar antes do dia 6 de outubro, para valer para as próximas eleições.
Como o texto não trata apenas do perdão às irregularidades passadas e passou a trazer pontos que alteram as regras eleitorais – como a redução dos recursos para candidatos negros -, a aprovação também teria que respeitar o princípio da anualidade eleitoral, isto é, aprovação e promulgação até um ano antes do próximo pleito.
Em outra frente, a Câmara deve votar em plenário nesta quarta-feira (13) uma minirreforma eleitoral, desta vez com dois projetos que, entre outras mudanças:
- afrouxam a punição para compra de votos;
- acabam com a prestação de contas parcial, feita durante a campanha;
- e reduzem o período de inelegibilidade de candidatos condenados ou que tenham perdido o mandato.
Ponto a ponto
Em linhas gerais, o relatório da PEC apresentado nesta quarta-feira:
- livra os partidos de qualquer punição – como multa, devolução ou suspensão dos recursos – por irregularidades nas prestações de contas antes da data da promulgação da PEC. Na prática, segundo especialistas, isso impede o trabalho da Justiça Eleitoral.
- anistia os partidos pela falta de repasses mínimos para candidatos negros e mulheres nas eleições de 2022. Em abril do ano passado, o Congresso já tinha promulgado outra emenda que perdoou este tipo de irregularidade em eleições até 2020;
- limita a punição por irregularidade aplicada aos partidos pela Justiça Eleitoral a partir de então a 10% do valor recebido do fundo partidário mensalmente por cada legenda;
- reduz os recursos para candidatos negros nas campanhas eleitorais para 20% dos fundos eleitoral e partidário. Atualmente, o repasse segue entendimentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), que definiram que a verba para negros deve seguir proporcionalmente o número de candidatos. Por exemplo, no ano passado, pouco mais de 50% dos candidatos se autodeclararam negros – portanto, este é o percentual que deveria ter sido repassado pelas siglas.
Cassação por fraude na cota de gênero
Rodrigues incluiu em seu parecer um dispositivo que livra de punições por perda de mandato os partidos que tenham descumprido a cota mínima de gênero nas eleições passadas. O trecho constava na minirreforma eleitoral, mas foi retirado.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) afirma que o dispositivo poderia reverter decisão da Justiça Eleitoral que condenou o PL por fraude à cota de gênero nas eleições de 2022 e determinou que quatro deputados estaduais eleitos para o Ceará perdessem seus mandatos.
Melchionna chegou a apresentar uma questão de ordem, alegando que, por ser do PL, Rodrigues deveria se declarar suspeito, já que o dispositivo “beneficia diretamente” a sigla.
“É uma vergonha. Como não tem impedimento se o relator é de um partido que vai ser beneficiado com quatro cadeiras que obviamente foram anuladas diante do expediente criminoso com o uso de candidatas laranjas?”, questionou.
O presidente do colegiado, deputado Diego Coronel (PSD-BA), porém, não acolheu o pedido.
Críticas
Diversas entidades encaminharam uma carta aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a outras autoridades, como o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, e ao vice-procurador geral Eleitoral, Paulo Gonet, afirmando ter “extrema preocupação” com o avanço da proposta.
Segundo o documento, a PEC “estabelece a maior anistia da história aos partidos políticos brasileiros”.
“Ao vedar punição a toda e qualquer irregularidade identificada nas contas dos partidos políticos, a proposta torna absolutamente inócuos os respectivos exames e julgamentos realizados pela Justiça Eleitoral”, diz a carta. “Eventual promulgação da proposição consolidará, portanto, a total impunidade aos partidos políticos pelo descumprimento de determinações legais.”
Entre os signatários, estão a Transparência Partidária, Transparência Brasil, Associação Contas Abertas e a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil.
Frei Davi, da Educafro Brasil, chamou a proposta de “pacote de maldades” e disse que, se o texto passar na Câmara, vão buscar diálogo com os senadores.
“Nossa meta é que o Senado respeite o povo e faça todas as audiências públicas necessárias, ouvindo toda a sociedade, no tempo do povo e não como um ladrão que faz na calada da noite”, afirmou. “Caso o Senado venha a ser também corrompido, nossa única esperança passará a ser o STF.”
Justificativa do relator
Em seu parecer, o relator afirma que a proposta “nasceu da constatação de dificuldades concretas vividas pelos partidos políticos no processo de adaptação a novas regras de distribuição de recursos financeiros destinados às candidaturas femininas e de pessoas negras”.
O deputado disse, ainda, que entende que o repasse de recursos para candidaturas de pessoas pretas e pardas é “constitucional e justo”, mas define como “complexo o sistema de aferição” dado pelo Supremo, que definiu que os repasses devem ser proporcionais.
“Para que o sistema funcione adequadamente, devem estar presentes os atributos da simplicidade, objetividade e transparência. A partir desses requisitos, estamos a propor que um mínimo de 20% dos recursos de origem pública recebidos pelo partido seja destinado a candidaturas de pessoas pretas e pardas. É um sistema simples, de fácil compreensão por todos, e, principalmente, exequível.”
Sobre o limite de 10% mensais do fundo partidário para a punição das siglas, Rodrigues diz que “tal modelo pune o partido no que se refere a verbas recebidas para o custeio, mas preserva seu funcionamento”.
“Parece-nos um modelo adequado, simples e proporcional, principalmente se levarmos em conta que nossos partidos não possuem outras fontes de renda relevantes”, escreveu.
Fonte G1 Brasília