Uma casa com quintal e espaço para montar um escritório já eram sonhos da Giovanna Almeida antes do mundo ouvir falar de um tal de coronavírus pela primeira vez.
Giovanna trocou Belo Horizonte por Nova York em 2015 e morava no Brooklyn quando foi preciso se isolar em casa durante o pico da pandemia.
Na época em que ainda frequentava o escritório, ela gastava uma hora no trajeto entra a casa e o trabalho. A chance de fazer reuniões e relatórios de casa mesmo mudou completamente a vida dessa brasileira que antecipou em pelo menos dois anos o projeto de gastar menos e morar com mais espaço.
Hoje, ela e o marido moram em Nova Jersey, Estado vizinho a Nova York, onde o bebê de onze meses logo logo vai poder correr à vontade no gramado, nos fundos da casa que eles compraram recentemente.
Giovana é um exemplo típico de uma tendência que transformou Nova York em um dos Estados que mais perdeu moradores nos últimos dois anos. A ilha de Manhattan é o condado do país que viu o maior número de seus moradores buscando casas e apartamentos em outras cidades ou Estados. Duzentas mil ao todo, desde março de 2020.
Outros dois condados de Nova York, Queens e Brooklyn, também registraram a partida de muitos moradores. Foram 51 mil no Queens e outros 88 mil no Brooklyn, onde Giovanna morava.
O professor da Escola de Negócios da Universidade de Columbia Stijn Van Nieuwerburgh pesquisa Mercado Imobiliário e Finanças e está preocupado com o futuro da cidade que escolheu para morar em 2003.
Ele torce por Nova York mas acha que as autoridades precisam tomar providências urgentes para evitar que a cidade entre em um ciclo vicioso com menos arrecadação, população cada vez menor, empresas se mudando e os serviços cada vez mais precários. “Foi o que aconteceu nos anos 70”, lembra.
Segundo levantamento da organização Partnership for New York City, o trabalho remoto, ao menos durante parte da semana, veio para ficar. Em outubro de 2021, 54% dos funcionários de escritório da cidade estavam trabalhando de casa. Apenas 8% iam todos os dias ao trabalho em escritórios e outras instalações.
Em abril de 2022, eram 28% trabalhando remotamente, mas o modelo híbrido se popularizou e a quantidade dos que trabalharam do escritório todos os dias se manteve em apenas 8%.
No último levantamento, de setembro passado, 16% ainda trabalhavam de casa o tempo todo e apenas 9% por cento iam todos os dias para o trabalho. Por isso, muitos escritórios estão vazios.
Basta dar uma caminhada pela rua 57, entre a Quinta e a Sexta Avenidas para entender o que está acontecendo. Essa área que tinha um dos metros quadrados comerciais mais caros da cidade tem, agora, várias lojas fechadas e prédios de escritório completamente vazios, com anúncios de “aluga-se”.
Uma das propostas da comissão é converter esses escritórios em residências. O professor Nieuwerburgh acredita que a ideia é boa e barata. Basta mudar a lei do zoneamento.
“Você pode manter a loja no primeiro andar e converter todos os escritórios nos outros andares porque vai gerar demanda para o comércio”, diz ele.
Aquele vai e vem de gente que acaba parando na lanchonete, se sentando para almoçar ou decide comprar algo na loja, no caminho de casa garante a sobrevivência de pequenos e médios negócios.
Juarez Bochi ainda não abandonou Nova York mas anda pensando seriamente em se mudar com a mulher para uma cidade mais afastada.
Ele foi obrigado a trabalhar de casa no começo da pandemia e nunca mais voltou para o escritório. Aliás, se puder ficar assim, ele até prefere.
Com autonomia para administrar o próprio tempo, ele agora corre de manhã e ainda assim, às oito já está trabalhando. Dificilmente passa na área que frequentava antes, no endereço do antigo escritório. Hoje ele fica mais pelo Brooklyn, onde mora.
Como muita gente fez o mesmo, a arrecadação do metrô despencou. Lojas, bares e restaurantes também estão sentindo o baque. Mas na opinião do professor Nieuwerburgh, o futuro de Nova York é o caminho inverso. Atrair de volta quem se foi e garantir que a população da cidade seja diversa em matéria de renda e de interesses.
“Nenhuma cidade pode viver apenas dos profissionais de finanças, tecnologia e de advogados”, afirma. Para voltar a ser uma cidade vibrante, vai ser preciso manter por aqui, também, os artistas, os funcionários de hotéis e restaurantes, a turma que trabalha na indústria do entretenimento.
“Antes da pandemia, 60 milhões de turistas visitavam Nova York todo ano”, lembra o professor alertando que “sem a Broadway, sem os teatros e restaurantes, eles não virão”.
E as contas da prefeitura também precisam de socorro. Ele diz que a partir de 2024, Nova York terá um déficit de US$ 10 bilhões todo ano para um orçamento de US $ 100 bilhões. Ou seja, dez por cento do orçamento.
É um buraco e tanto que a cidade vai precisar fechar aumentando a arrecadação ou cortando os gastos. Ou seja: mais impostos e menos serviço. O risco é ver Nova York repetir o que já enfrentou nos anos 70 e o que Detroit ainda não conseguiu superar.
Por isso Stijn Van Nieuwerburgh aconselha: quanto mais rápido a cidade votar a mudança do zoneamento e converter prédios comerciais em edifícios residenciais, mais depressa a arrecadação de impostos vai voltar a crescer garantindo a manutenção dos serviços de transporte, educação e segurança.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64097315
Fonte G1 Brasília