O mexicano Naasón Joaquín García, líder da igreja La Luz del Mundo, se declarou culpado nesta sexta-feira (3) de três acusações de abuso sexual de menores às quais responde na Justiça americana, informou o procurador-geral da Califórnia, Rob Bonta, em comunicado.
O julgamento contra García deveria começar na segunda-feira, mas em uma reviravolta inesperada, ele firmou um acordo com as autores, se declarou culpado e deve receber uma sentença na manhã da próxima quarta-feira (8).
Ao todo, Garcia enfrenta 19 acusações, incluindo estupro, posse de pornografia infantil e tráfico de pessoas. Os crimes teriam sido cometidos entre junho de 2015 e junho de 2019
Há quase três anos, García, líder de uma das maiores igrejas evangélicas em nível internacional, foi preso no aeroporto de Los Angeles. O julgamento dele deveria começar em 2020, mas foi adiado em razão da pandemia do coronavírus e de várias estratégias adotadas por sua defesa.
Abaixo, contamos os detalhes do processo que ainda deve causar muita repercussão.
1. Quem é o acusado?
Joaquín García é o presidente internacional da igreja La Luz del Mundo desde 2014.
Ele assumiu o cargo após a morte do seu pai, Samuel Joaquín Flores, que foi o responsável por liderar a congregação durante 50 anos. Este também havia herdado a função de seu progenitor, Eusebio Joaquín González, que fundou a igreja em Guadalajara, no México, em 6 de abril de 1926.
Do acusado se conhece pouco, exceto a história que ele contou a portais e meios oficiais da congregação.
Sabe-se, por exemplo, que ele iniciou seu trabalho como missionário aos 14 anos para a igreja nos bairros populares de Guadalajara, onde ainda está localizada a sede principal.
Logo foi escolhido como responsável pelo movimento nos Estados Unidos e posteriormente viajou para Europa, Ásia e Oceania.
Quando assumiu a presidência da igreja, criou uma estrutura de comunicação nas redes sociais que permitiu que ele aumentasse o número de fiéis, segundo a página oficial do movimento.
E paralelamente, segundo a Procuradoria Geral da Califórnia, entre 2015 e 2018 Joaquín García e alguns de seus colaboradores teriam aproveitado essa estrutura para cometer abusos sexuais e outros crimes, algo que ele e a congregação que dirige negam.
Por essas acusações, ele foi preso em 3 de junho de 2019, junto com uma de suas assistentes, Susana Medina Oaxaca, após sua chegada ao Aeroporto Internacional de Los Angeles (LAX) em um jato particular.
E por isso será julgado no Tribunal Superior da cidade californiana.
2. Do que ele é acusado?
“Crimes como os alegados nesta denúncia não têm lugar em nossa sociedade. Ponto final”, disse o então procurador-geral da Califórnia Xavier Becerra – agora secretário de Saúde e Serviços Humanos – ao anunciar sua captura.
Naquele momento, pendiam 25 acusações sobre o chamado “apóstolo de Jesus Cristo”.
Mas o número variou nos últimos anos e atualmente há 19, entre elas acusações de abuso sexual de menores, violação, posse de pornografia infantil e tráfico de pessoas.
Os supostos crimes teriam ocorrido entre junho de 2015 e junho de 2019, em Los Angeles.
O processo criminal é baseado em depoimentos de cinco mulheres anônimas, vídeos e conversas mantidas em aplicativos de telefone.
A acusação sustenta, por exemplo, que três menores, identificadas como Jane Doe 1,2 e 3, foram convidadas a fazer parte de um grupo “especial” que atendia o líder da igreja cada vez que ele visitava Los Angeles.
Depois, elas teriam sido convidadas a dançar com pouca roupa, participaram de orgias e posaram nuas em hotéis e outros lugares, segundo a acusação.
“Naasón vivia em um filme pornô em 90% de seu tempo. E ele podia fazer isso possível porque tinha dinheiro e poder”, afirmou Sochil Martin, a jovem americana que descobriu o escândalo sexual da igreja após servir como “recrutadora” e com quem a BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) conversou em abril de 2020.
Assim como a quantidade de acusações contra Joaquin Garcia, o valor da fiança estipulada contra ele também variou e atualmente está fixado em US$90 milhões (cerca de R$ 430 milhões), o maior na história da Califórnia.
Joaquín García espera sua sentença na Prisão Central para Homens do Condado de Los Angeles.
3. O que já disseram ele e a sua defesa?
Joaquín García rechaçou todas as acusações durante uma audiência em 19 de setembro de 2019, diante do juiz Ronald S. Coen, repetindo as palavras que seu advogado Alan Jackson ditava.
“Quantas humilhações, quantas ridicularizações, quantas ofensas, quantas provocações tivemos que suportar! O ridículo público, a zombaria da minha pessoa ou da igreja, o linchamento da mídia”, publicou a igreja La Luz del Mundo por meio de seus representantes em dezembro de 2020.
A defesa dele sustentou, desde o princípio, que a promotoria manipulou as provas para implicar ao acusado atos dos quais ele não teve nenhuma relação.
No pedido de arquivamento do processo ? e que o juiz Stephen A. Marcus indeferiu em 2 de maio ?, os advogados argumentaram que a promotoria dificultou o acesso ao material que baseou a acusação, e que nele poderia conter provas favoráveis ao acusado.
A defesa argumenta que algumas denunciantes colocaram o cliente em uma “armadilha por dinheiro” e que os promotores distorceram as conversas mantidas com o acusado “para ampliar o caso”.
Já a igreja liderada por ele comparou a situação dele com Jesus Cristo e a considera “injusta”.
“Temos confiança de que uma vez que o processo seja resolvido ficará evidente o que para nós é uma constante: a integridade e a honra de um homem que conhecemos, com quem tivemos que trabalhar de perto no trabalho ministerial (…)”, disse à BBC News Mundo o pastor Elíezer Gutiérrez, ministro de comunicação social da igreja.
Em relação às acusações feitas por Sochil Martin, a igreja afirma que ela busca somente lucrar.
“Sochil apresentou uma denúncia civil cujo objetivo é 100% econômico”, declarou à BBC News Mundo o pastor e subdiretor de relações públicas da igreja La Luz del Mundo, Abner Nicolás Menchaca Tristán.
E também negam as acusações que recaem sobre a congregação: que envolve um comportamento de “convencimento” de mulheres, incluindo menores, para que se submetam a abusos.
“Esse tipo de expressão, além de não refletir a realidade, me parece que fere muitas pessoas como eu e meus irmãos aqui presentes e (que) continuamos a vir à igreja hoje, nos esforçamos para ser melhores”, acrescentou o porta-voz Eliezer Gutiérrez. durante entrevista à BBC News Mundo no templo principal de La Luz del Mundo em Los Angeles.
Os representantes da igreja denunciam ataques contra seus templos e membros em decorrência do processo judicial.
4. Quem são os outros acusados?
Susana Medina Oaxaca, que foi presa junto com Joaquín García no aeroporto de Los Angeles em 2019, Alondra Ocampo e Azalea Rangel Meléndez são corréus no caso.
Ocampo, uma americana de 39 anos, se declarou culpada de quatro acusações em outubro de 2020: três de contato com um menor por delito sexual e uma por penetração sexual forçada.
Nem o seu advogado Fred Thiagarajah nem o gabinete do procurador-geral divulgaram os termos da confissão de culpa de Ocampo, ou se ela testemunhará no julgamento de Joaquín García.
A audiência para a sua sentença está marcada para 12 de outubro e ela atualmente está na prisão para mulheres de Lynwood, em Los Angeles, sem direito a fiança.
“Ela se declarou culpada. O apóstolo se declarou inocente. A conduta é atribuída a quem a comete”, insistiu o pastor Abner Nicolás Menchaca Tristán em entrevista à BBC News Mundo.
“Será a lei quem determinará se isso é uma estratégia para encurtar uma possível pena para ela, porque a pena é individual”, acrescentou.
Já Oaxaca defende que é inocente e foi colocada em liberdade mediante o pagamento de fiança.
E Azalea Rangel é procurada. Ela tem duas acusações de estupro e penetração oral forçada contra uma mulher adulta da congregação.
5. Como é o poder da igreja La Luz del Mundo?
Com o julgamento ainda pendente, Garcia permanece como presidente internacional da igreja La Luz del Mundo, uma congregação cuja página na internet afirma que está presente em 58 países e conta com ao menos 5 mil fiéis.
Três semanas antes de ser preso, García foi homenageado ao completar 50 anos. O evento ocorreu no Palácio de Belas Artes, o ápice do requinte cultural do México, e recebeu reconhecimento firmado por, ao menos, 35 deputados.
Quando o evento foi divulgado e se tornou um escândalo, a igreja insistiu que não foi uma cerimônia religiosa e afirmou que se tratou de uma ação cultural.
Durante uma sessão matinal naquela semana, a secretária de Cultura Alejandra Frausto confirmou que era “um concerto, conforme planejado”, e o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador pediu tolerância.
Após a notícia da prisão, o presidente voltou ao assunto e declarou: “Independentemente do Belas Artes, não se sabia, a autoridade não tinha informação sobre o que se soube ontem, e qualquer pessoa, cidadão ou associação pode se manifestar. Essa é a liberdade e tolerância”.
Especialistas como Elio Masferrer, pesquisador da Escola Nacional de Antropologia e História (ENAH), garantem que o grupo religioso sempre esteve próximo do poder.
Nos anos 80, por exemplo, a congregação apoiou o Partido Revolucionário Institucional (PRI) em Jalisco.
Em seguida, apoiou o conservador Partido da Ação Nacional (PAN), vencedor das eleições locais de 1995.
O mesmo aconteceu nas eleições nacionais. Entre 2000 e 2018, La Luz del Mundo apoiou os os governos federais.
A proximidade com o poder não se deu apenas no México. Em 19 de maio de 2019 houve o lançamento da La Luz del Mundo em El Salvador, um imenso empreendimento imobiliário. O ato contou com o apoio do então presidente eleito, Nayib Bukele.
“Você não precisa desse reconhecimento, mas é uma honra para nós dar a você e nomeá-lo um filho ilustre da cidade de San Salvador”, disse Bukele a García.
Fonte G1 Brasília