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Mulheres e homens trans vão escolher ala de penitenciária para cumprir pena; travesti denuncia violência em presídio masculino

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“Mais viado nessa unidade”. Foi assim que Maria Eduarda* foi recebida por um agente na entrada na ala masculina da Penitenciária de Tupi Paulista, localizada a cerca de 670 quilômetros da capital paulista. Durante um ano, a travesti em privação de liberdade sofreu episódios de violência psicológica e verbal dentro da unidade prisional.

Na semana passada, uma resolução foi publicada no Diário Oficial da União que estabelece novas diretrizes de acolhimento de pessoas LGBTI+, como a escolha da ala masculina ou feminina para cumprir a pena e o uso do nome social por autodeclaração (leia mais abaixo).

Em conversa com o g1, Lucia*, mãe da travesti, conta que a filha enfrentou um clima extremamente hostil no cárcere. Ela teve que cumprir a pena na ala masculina e teve o direito ao nome social negado. Maria Eduarda era chamada pelos agentes penitenciários e por outros presos pelo ‘nome morto’ ? que é o nome de registro de nascimento anterior à transição de gênero.

?Em Tupi Paulista, tratavam ela muito mal. Agressão física não tinha, mas tinha verbal. Xingavam muito e diziam que ela não tinha direito nenhum. Tem que respeitar. O respeito vem em primeiro lugar e não respeitavam nesse quesito [o nome social]. Ela foi bastante maltratada?, conta Lucia.

Maria Eduarda também não teve acesso a atividades laborais ou de estudo durante o cumprimento da pena em razão da discriminação por identidade de gênero. Segundo o relato da mãe, a filha pediu aos servidores para trabalhar e obteve como resposta: ?aqui não tem serviço para viado, não?.

?Ela queria muito estudar e trabalhar. É muito triste, porque ajuda a cabeça da pessoa a mudar. Você ficar ali dentro fazendo nada, a cabeça fica vazia. Trabalhando pelo menos você ocupa o tempo?, desabafa a mãe que enfrentava uma viagem de dois dias de ônibus para visitar a filha.

Lucia ainda conta que a Maria Eduarda interrompeu o tratamento hormonal, pois os medicamentos não estavam disponíveis na enfermaria da unidade e ela não consegue custear os hormônios sozinha. Entretanto, a resolução N° 348 de 2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece que as pessoas LGBTI+ tem direito ao tratamento hormonal e à manutenção.

Caio Klein, presidente da ONG Somos, que luta há 22 anos pelos direitos LGBTI+, afirma que a identidade de gênero não é reconhecida institucionalmente no sistema carcerário brasileiro. Também há um apagão de dados sobre essa população em privação de liberdade pela falta de registros do estado.

?Muitas vezes não existe qualquer esforço de, por exemplo, registrar o nome social ou o gênero daquela pessoa. Isso implica na ausência de qualquer ação para garantir o direito da pessoa enquanto pessoa trans, mas também em invisibilizar a existência dessa pessoa ou se aquela determinada unidade tem pessoas trans?, explica Klein.

Violações no sistema prisional

No ano passado, a ONG Somos e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura divulgaram o Relatório Nacional de Inspeções – População LGBTI+ Privada de Liberdade no Brasil. As instituições inspecionaram unidades prisionais em 12 estados, inclusive São Paulo.

Segundo o relatório, foram constatadas algumas violações nos presídios visitados em São Paulo como:

  • mulheres trans e travestis que não passaram por cirurgia genital são alocadas em prisão masculina como regra e não podem ser transferidas para prisão feminina, se assim desejarem;
  • pessoas trans já foram obrigadas a cortar o cabelo ou foram impedidas de expressar a identidade de gênero de outra forma;
  • pessoas LGBTI+ já ficaram sem atendimento de saúde para necessidades imediatas como a prescrição de hormônios;
  • pessoas LGBTI+ não têm acesso igualitário à escola prisional, cursos profissionalizantes e outras atividades de geração de renda.

O documento aponta que as prisões brasileiras dividem suas populações entre masculinas e femininas a partir de uma identificação genitália, usando uma lógica biologicista.

?Em outras palavras, significa dizer que mulheres transexuais e travestis são colocadas em prisões masculinas como regra, e homens transexuais são colocados em prisões femininas como regra diante de um argumento que combina explicações biológicas e jurídicas […] Uma divisão genitalista baseada somente no órgão genital dessas pessoas, que ignora a complexidade das relações de gênero e expõe ao risco centenas de pessoas?, explica o relatório.

Com a impossibilidade de escolher a ala para cumprir a pena, os presos LGBTI+, especialmente as pessoas trans e travestis, ficam mais vulneráveis e suscetíveis a sofrer violência.

Para Caio Klein, há uma defasagem na capacitação e formação continuada dos agentes penitenciários e demais servidores, como da área da saúde, sobre o tema da diversidade que não é cobrado, por exemplo, nos concursos públicos. O que prejudica a relação com as pessoas LGBTI+ presas e a garantia de seus direitos.

O presidente da ONG Somos também vê com preocupação a criação da Polícia Penal, como já ocorreu no Rio Grande do Sul, pela reprodução da lógica militarizada e conservadora “que está mais preocupada em repressão do que em cuidado e tratamento penal”, além de afetar o preparo “da pessoa para o retorno dela convívio fora do cárcere”.

Nova resolução

O Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ (CNLGBTQIA+) e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) aprovaram uma resolução que estabelece novas regras de acolhimento para integrantes da comunidade privadas de liberdade. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União na última quarta-feira (10).

Entre as regras estabelecidas estão: o reconhecimento da pessoa como parte da população LGBTQIA+ feito exclusivamente por meio de autodeclaração; a escolha da ala do presídio que pessoas trans e travestis preferem permanecer enquanto cumprem pena; a formação continuada de policiais penais e demais servidores sobre direitos humanos e princípios de igualdade e não-discriminação de pessoas LGBTQIA+.

O conselheiro Alexander Barroso afirma que a resolução trará mais segurança à integridade física e moral das pessoas LGBTQIA+ . “Eu digo sempre que uma sociedade que cuida dos seus indivíduos privados de liberdade certamente é uma sociedade mais evoluída. O Estado Brasileiro tem o dever de acolher e proteger essas pessoas. Era premente, que o CNPCP juntamente com o CNLGBTQIA+ atualizasse essa resolução, adequando-a a realidade atual da nossa sociedade”, comentou.

O que diz a SAP

“A Secretaria da Administração Penitenciária aperfeiçoou parâmetros de acolhimento das pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade em estabelecimentos penais, conforme resolução 027/2024. Estas são fiscalizados pelos Diretores de Núcleo, de Disciplina e Gerais das Unidades, além dos Coordenadores. Também são fiscalizadas por representantes de órgãos do Poder Judiciário, Defensoria Pública e Ministério Público. A SAP conta com Ouvidoria e Corregedoria próprias à disposição de todos os usuários do serviço público. Além disso, assim que entram no sistema, todos os presos recebem Kits de Higiene e de Inclusão padrões da unidade, conforme resolução 026/2013.

O critério para a destinação de vagas nos presídios paulistas é baseado em protocolos de segurança pessoal e coletiva das pessoas privadas de liberdade, perfil dos condenados e necessidades específicas das pessoas durante o cumprimento da pena, além de ter como princípio básico o respeito à dignidade do sentenciado no exercício de sua custódia. Ao longo dos anos a SAP vem realizando campanhas e formações do corpo de agentes penais para conscientizar o quadro funcional dos direitos e necessidades da população LGBTQIA+, entre elas a de utilização do nome social”.

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das entrevistadas

Fonte G1 Brasília

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