81 mulheres estarão nas urnas em outubro deste ano disputando mandatos de vereadora após terem disputado em 2020 sem receber sequer o próprio voto ou gastar um único centavo em suas campanhas.
O total de candidaturas de vereadores em todo o país neste ano supera os 420 mil.
O g1 cruzou os dados das candidaturas registradas para as eleições municipais deste ano com os dados de 2020 e identificou que 207 pessoas não receberam nenhum voto naquele ano nem registraram qualquer despesa de campanha junto à Justiça Eleitoral. Destas, 81 eram candidaturas femininas.
O dado ganha importância porque estes são dois dos critérios adotados pela Justiça Eleitoral como indícios de um problema que afeta as eleições, especialmente as municipais, há muitos anos: a fraude à cota de gênero.
- Pela lei, os partidos devem reservar 30% de suas vagas para mulheres que queiram concorrer. Na prática, no entanto, muitas das candidaturas femininas ficam apenas no papel, garantindo o cumprimento da cota exigida na legislação, mas sem que as mulheres disputem efetivamente.
Só em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou 61 ocorrências da fraude em julgamentos de recursos. Neste ano, o g1 identificou pelo menos outros 25 casos.
Súmula
Para tentar reforçar o combate à irregularidade, o TSE adotou em maio uma súmula ? a consolidação um entendimento padronizado a ser adotado em casos semelhantes ? que identifica como indícios de fraude à cota de gênero candidaturas femininas com:
- votação zerada ou inxpressiva;
- contas de campanha zeradas, padronizadas ou sem movimentação financeira relevante; e
- falta de atos efetivos de campanha ou divulgação de campanhas de outros candidatos.
?Esta é a luta de toda a minha vida, a luta pela igualdade geral. Essa consolidação facilitará muito a vida de juízes, de tribunais e, principalmente, da sociedade, das candidatas e dos candidatos, para que a gente tenha clareza no que se vai decidir?, disse à época a ministra Cármen Lúcia, hoje presidente do tribunal.
Entre as punições possíveis caso a fraude seja confirmada, estão a cassação de candidaturas, inelegibilidade de envolvidos e até a anulação dos votos obtidos pelo partido naquela disputa específica.
‘Usaram meu nome’
Muitas das 81 candidatas identificadas no levantamento feito pelo g1 tiveram problemas na hora de prestar contas das campanhas que não realizaram em 2020.
Várias tiveram as contas rejeitadas por não terem aberto a conta bancária exigida especificamente para a campanha, ou mesmo extratos bancários registrando que não usaram qualquer recurso.
Em alguns casos, a falta de documentos básicos levou a Justiça a considerar que as contas sequer foram prestadas, o que pode impedir a participação em eleições futuras.
Uma destas é Débora, que vai disputar sua quarta campanha para vereadora este ano na Bahia. Em 2012, teve cerca de 900 votos. Em 2016, foram quase mil. Mas em 2020, candidata pelo PROS, ela não recebeu sequer o próprio voto nem apresentou as contas da campanha ? o que se tornou um problema para a disputa deste ano.
“Na realidade usaram meu nome”, ela explicou ao g1. “Eu só fiz me filiar, porém havia deixado claro ao presidente do partido na época que não iria concorrer”, ela relata.
A candidata conta que denunciou o caso à polícia e teve de arcar com um processo para resolver a situação e participar das eleições deste ano, mas não recebeu qualquer tipo de compensação pelos problemas.
“Eu fui vítima disso. Me usaram na realidade para poder obter a cota e ficaram com o fundo partidário. Nem ata de convenção eu assinei, não participei de convenção, não participei absolutamente de nada. E votei em 2020, eu fui votar. Imagine, nem o meu próprio voto tive. É desleal, é triste, porque acaba sempre os mais fracos desprovidos de armas”, ela protesta.
Surpresa no jornal
A eleição de 2020 seria a primeira disputa de Liége Arend (PP) à Câmara Municipal de São Pedro do Sul (RS). Mas ela diz que a pandemia de Covid-19 atrapalhou os planos. Após entrar em contato com pessoas contaminadas pela doença, ela e o marido foram obrigados a ficar em isolamento em pleno período eleitoral.
“Era bem no período que eu tinha de entregar a documentação, abrir conta no banco, e eu fiquei impedida de fazer isso aí”, ela conta. “Aí eu comentei com o pessoal do meu partido […].Pra minha surpresa, eu não sabia que o meu nome não tinha sido tirado da lista. Depois, quando saiu a votação no jornal, que eu me dei conta de ‘gente, como que meu nome ainda está aqui?”, relata Liége.
No julgamento das contas da “campanha” de 2020 de Liége ? que não foram aprovadas, em parte, pela falta de uma conta bancária da candidatura e registros de movimentação financeira ?, o juiz responsável pelo caso pediu ao Ministério Público Eleitoral que se manifestasse sobre a possibilidade de fraude à cota de gênero.
O MP, no entanto, respondeu que não havia ação eleitoral a ser adotada naquele momento, “ressaltando que não há prejuízo ao interesse público, pois nenhum candidato do partido foi eleito.”
Informada pelo g1 sobre o que dizia a sentença, Liége disse que vai procurar o partido para saber mais, mas que não houve nenhum impedimento à candidatura este ano. E que a campanha para a eleição de outubro já está ocorrendo.
Votações pequenas e poucos gastos
As 81 candidatas identificadas pelo g1 são as situações extremas, sem nenhum voto nem gastos. Mas a súmula do TSE aponta que os casos suspeitos não são só os zerados. O TSE amplia o escopo e fala em “votação zerada ou inexpressiva” e “prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante.”
Assim, expandindo-se o cruzamento, foram identificadas mais candidatas que não chegaram a ficar sem votos em 2020, mas registraram poucos apoios, e com gastos de baixo valor naquele ano. Ao todo, nestas eleições, estarão na disputa:
- 9.394 candidatas que gastaram R$ 100 ou menos nas eleições de 2020;
- 2.305 candidatas que tiveram 10 votos ou menos em 2020; e
- 1.426 candidatas que atendem as duas situações ao mesmo tempo, tendo recebido 10 ou menos votos em 2020 e gastando R$ 100 ou menos naquela campanha.
Fonte G1 Brasília