O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou nesta quarta-feira (9) um manual para que juízes da primeira instância e desembargadores dos tribunais de Justiça passem a exigir que a polícia e o Ministério Público sigam regras mais rígidas para o reconhecimento de suspeitos, a fim de evitar prisões e condenações de inocentes.
A iniciativa foi necessária porque o Judiciário identificou que parte dos juízes não tem aplicado a nova jurisprudência sobre reconhecimento de pessoas, fixada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2020 e reforçada por resolução do CNJ de 2022.
A nova jurisprudência estabelece que, para ser válido, o reconhecimento de um suspeito precisa necessariamente seguir os procedimentos previstos no artigo 226 do Código de Processo Penal. A polícia deve adotar os seguintes procedimentos:
?? 1– a pessoa que for fazer o reconhecimento (vítima ou testemunha) precisa descrever previamente as características físicas do criminoso, como a cor dos olhos, do cabelo e da pele;
?? 2 – em seguida, a pessoa investigada deve ser colocada ao lado de pessoas que tenham semelhança física com ela, para evitar induzir a vítima ou a testemunha a erro. O mesmo vale para reconhecimentos feitos por meio de fotos;
?? 3 – o ato deve ser documentado, assinado pela pessoa que fez o reconhecimento e duas testemunhas.
O manual direcionado aos magistrados de todo o país foi lançado durante o “Seminário Internacional Prova e Justiça Criminal: novos horizontes para o reconhecimento de pessoas”, realizado pelo CNJ nesta quarta e nesta quinta (10), com apoio da ONG Innocence Project, que se dedica a reverter condenações injustas.
Segundo o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luis Roberto Barroso, que abriu o seminário, as regras para reconhecimento de suspeitos vêm para “minimizar os riscos de erro judiciário”.
Barrou citou um levantamento feito pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro que apontou que, em 60% dos casos de reconhecimento fotográfico errado, as pessoas ficaram, em média, 9 meses presas.
Ainda de acordo com o ministro, em 83% dos casos de reconhecimento equivocado, as pessoas apontadas eram negras.
“O erro judiciário não raro vem acompanhado do racismo estrutural”, afirmou o ministro do STF Edson Fachin, que também participou do evento. “O erro deslegitima a polícia e o Judiciário perante a população.”
Segundo um estudo do STJ, somente em 2023 o tribunal inocentou ou mandou soltar 377 pessoas que passaram por reconhecimentos falhos, a despeito de as novas exigências estarem em vigor desde 2020.
Para especialistas e para o CNJ, quando os procedimentos não são seguidos, a prova produzida pela polícia fica fragilizada e deixa dúvidas sobre a autoria do crime.
Entre os casos em que o STJ identificou irregularidades no ano passado estão:
?? o reconhecimento de um suspeito de latrocínio (roubo seguido de morte) feito oito meses após o crime ? quando a memória da vítima já não é tão nítida ? e apenas com fotografias retiradas da internet;
?? o reconhecimento de um suspeito de roubo feito a partir de uma foto de um homem com boné para trás que um policial mostrou à vítima na tela do celular dele, sem apresentar outras imagens. Durante o processo, a vítima disse que a foto “lembrava o roubador”, mas não tinha certeza da identidade dele.
Liberação de preso
Em março, o g1 mostrou o caso de Lucas Medeiros, de São Paulo, que foi absolvido pelo STJ depois de ficar 2 anos e 2 meses preso. Ele havia sido condenado por integrar uma quadrilha que assaltava farmácias, mas a única prova produzida pela polícia era um reconhecimento feito com uma foto de rede social. O STJ analisou o caso a pedido do Innocence Project.
“A prisão foi um rebuliço na minha vida. Tive que sair do meu trabalho, não vi meu filho crescer, eu não vi a minha filha nascer”, disse Medeiros, pai de um menino de 5 anos e de uma menina de 2.
Além do manual para juízes, o CNJ também anunciou a criação do Laboratório Justiça & Reparação, em parceria com o Ministério da Justiça.
A ideia é que o laboratório identifique os principais problemas que levam ao erro judiciário e também assegure mecanismos de reparação para os que sofreram condenação indevida.
Também participaram do evento nesta quarta os ministros Herman Benjamin, presidente do STJ, e Rogério Schietti, autor do voto que mudou a jurisprudência da corte em 2020; a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Manoel Carlos de Almeida Neto, o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Luís Lanfredi, e a diretora do Innocence Project Brasil, Dora Cavalcanti.
Fonte G1 Brasília