No primeiro artigo apresentamos os antecedentes históricos, as motivações e a oficialização da divisão do Estado de Mato Grosso no ano de 1977, quando foi criado o Estado de Mato Grosso do Sul (artigo disponível no site da Câmara Municipal de Cuiabá).Vimos a luta dos sulistas e a reação do Norte, os projetos geopolíticos do governo federal que motivaram a divisão e a sua concretização no dia 11 de outubro de 1977 com a Lei Complementar nº 31/77. Agora nós apresentaremos o envolvimento da Câmara Municipal de Cuiabá e dos vereadores da 11ª Legislatura (1977-1982) nesse processo a partir de documentos do nosso arquivo e entrevistas realizadas com ex-vereadores e contemporâneos que moravam em Cuiabá.
O primeiro registro encontrado nos anais da Câmara Municipal de Cuiabá a respeito desse assunto é de 23 de março de 1958. Em Sessão Ordinária, o vereador Otávio Santana apresentou um Projeto de Resolução no qual concederia ao ex-deputado estadual Lício Borralho, o título de inimigo Nº 1 de Cuiabá, pois ele liderava um movimento radical pela divisão do território de Mato Grosso. A ideia do vereador Otávio Santana foi entendida pelos demais vereadores como demasiadamente ofensiva e desnecessária, mas a maioria deles mostraram-se contrários à divisão e preocupados com as suas consequências. Outros entendiam que a divisão seria inevitável e Cuiabá deveria se preparar, sem temer. Overeador Benedito Clodoaldo Metelo foi além, declarou ser a favor da divisão pois, de acordo com ele, Cuiabá seria capaz de cuidar de um novo território e iria progredir, bastando somente a melhoria da comunicação com a abertura de estradas e a chegada da ferrovia, pois já havia dado amostras de que com a intelectualidade do seu povo sobreviveria com sucesso. O Projeto de Resolução apresentado pelo vereador Otávio Santana causou discussões acaloradas na sessão e foi reprovado pela maioria na sessão seguinte. Nos dezenoveanos que se seguiram dessa sessão até a oficialização em 11 de outubro de 1977 (coincidentemente o Dia do Vereador) nós não encontramos outro registro a respeito do assunto. No entanto, o ex-vereador Benedito Márcio Pinheiro afirmou que a proposta de divisão sempre estava na pauta da Câmara.
Os vereadores entrevistados disseram que recebiam com tranquilidade as notícias sobre a possível divisão do Estado. Logo, diante dos primeiros burburinhos que indicavam um breve desfecho, eles decidiram agir pela garantia dos interesses de Cuiabá, a qual seria a mais impactada. Vale destacar que como vereadores não havia legalmente qualquer instrumento jurídico que pudessem fazer uso, mas como ocupavam o cargos de representantes da população cuiabana, não poderiam permanecer inertes. Dos três vereadores da 11ª Legislatura que entrevistamos, dois disseram que eram a favor e um contra. Moisés Mendes Martins Júnior foi quem pôs-se contrário, já Benedito Márcio Pinheiro e João da Silva Torres mostraram-se favoráveis. A decisão dos vereadores naquele momento foi a criação de grupos de trabalho para percorrerem outros municípios do Estado, através do qual denominaram de caravanas, a fim de realizarem audiências públicas nas câmaras municipais. Benedito Pinheiro afirmou que foram criados dois grupos, um formado por ele, Gilson de Barros e João Torres, responsáveis por irem aos municípios da região do Araguaia e outro grupo formado pelos vereadores Giuchiglio Luigi Bello, Ovídio Fernandes e Rubens Antunes de Belém, responsáveis por percorrerem a região de Diamantino. Moisés Martins disse que permaneceu em Cuiabá e visitou Chapada dos Guimarães. O objetivo desses vereadores era discutir aquele momento histórico e conhecer a realidade dos municípios, sem qualquer campanha contra ou favorável.
As caravanas, conta-nos Benedito Pinheiro, foram um movimento de extremo protagonismo dos vereadores, papel que talvez não coubesse a eles, e sim aos deputados. Disse que foi uma ideia acertada e que todos voltaram convencidos de que a divisão era a melhor alternativa. A firmou que ele foi desde o início a favor porque vislumbrava um novo Estado que cresceria por conta das suas potencialidades. Um aspecto relevante, ressalta, era a questão política. Aos poucos o sul estava liderando o cenário político regional. Com um número maior de eleitores, eles ocupavam a maioria dos postos de poder. Melhor dividir do que tornar refém dos interesses das oligarquias políticas sulistas, afirmou o ex-vereador. João Torres disse que as caravanas trouxeram uma grande alegria para eles, que foi uma luta importante em prol de Mato Grosso que precisava ser dividido porque era muito grande e cheio de potencialidades. O ex-vereador Moisés Martins, antes contra, afirmou que tomou consciência com as caravanas e passou a ser um forte defensor da divisão.
Naquele período os sulistas tinham uma visão preconceituosa de Cuiabá. Moisés Martins afirmou que eles viam Cuiabá como uma cidade ruim para se morar, que certa vez ouviu em Campo Grande que Cuiabá era uma cidadezinha pobre com um córrego denominado Prainha que era só esgoto. Podemos comprovar que essa visão por parte dos campo-grandenses não era uma verdade. O Anuário Estatístico de 1978 demonstra que houve um vertiginoso crescimento da cidade entre os anos de 1970 a 1978. De 100 mil habitantes no ano de 1970, a cidade passou para 122 mil em 1974 e para 152 mil em 1978. O número de veículos emplacados saltou de 5 mil para 24 mil, as residências com energia elétrica de 10 mil para 25 mil. Projetos estruturantes foram implantados em Cuiabá a fim de atender e contribuir para o crescimento da cidade. Assistiu-se o alargamento e pavimentação de ruas e avenidas, a criação do Centro Político Administrativo, a construção de conjuntos habitacionais, a fundação da UFMT, a inauguração de um grande estádio de futebol (Verdão) e a expansão da área urbana. Um dos fatores dessa transformação foi a chegada de uma nova leva imigrantes vindos do Sul vindos por conta das terras baratas, do ideal de prosperidade, auxiliados pelos recursos do governo federal para ocuparem a Amazônia.
Para concluir esse tema iremos responder a pergunta deixada no artigo anterior que foi a manchete do jornal Correio do Estado, sediado em Campo Grande. Teria sido o dia 11 de outubro de 1977 o dia mais triste da história de Cuiabá? Os seus moradores teriam recebido a notícia em silêncio? Os entrevistados disseram que a notícia chegou em uma cidade que estava dividida. O sim daqueles que vislumbravam um futuro promissor longe dos riscos de domínio político do sul e o não daqueles que temiam o resultado de uma mudança. Com o tempo aquele temor inicial dos contrários deu lugar a uma nova perspectiva. Aquela antiga luta com os sulistas não tinha mais sentido porque havia uma imensa e rica região a ser explorada e corria-se o risco dos sulistas tomarem ela, tendo hipoteticamente a cidade de Campo Grande como capital. Foi um dia como outro qualquer, afirmaram, mas um dia para se pensar em resiliência, uma adaptação à mudança. Diferente do jornal campo-grandense, o jornal O Estado de Mato Grosso, sediado em Cuiabá, se manifestou no dia seguinte, afirmando que como um pai que vê a maturidade do seu filho, o norte assistia o seu filho viver por si próprio. A história do norte e do sul estariam para sempre conectadas e caberia agora ao remanescente Mato Grosso continuar com a sua missão cívica, ocupando os vazios da Amazônia como mais um novo desafio para o seu povo que já mostrou ser capaz de grandes vitórias. Podemos então concluir que o dia 11 de outubro de 1977 deixou de ser o dia da divisão e se tornou o dia de mais um novo começo para o Mato Grosso.
FONTE:https://www.camaracuiaba.mt.gov.br