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Áudios mostram chefe da Receita mobilizando servidores até na praia para liberar joias para Bolsonaro; OUÇA

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Chefe da Receita Federal no governo de Jair Bolsonaro (PL), Júlio César Vieira Gomes pressionou funcionários da cúpula do órgão, por WhatsApp, para que trabalhassem pela liberação das joias enviadas pela Arábia Saudita e retidas na alfândega do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, nos últimos dias de dezembro de 2022. Ouça no áudio acima.

O objetivo era obter a liberação de um conjunto de joias de R$ 16,5 milhões apreendido pela Receita com a comitiva oficial do governo brasileiro que havia viajado ao país em outubro de 2021.

Os itens foram encontrados na mala de um assessor do Ministério de Minas e Energia e não foram declarados à Receita como item pessoal, o que obrigaria o pagamento de imposto. Por conta disso, as joias acabaram retidas.

O conjunto valioso poderia ter entrado no Brasil sem o pagamento de imposto, desde que fosse declarado como presente para o Estado brasileiro, mas, neste caso, ficariam com a União.

“Bota todo mundo para trabalhar de forma que a gente consiga cumprir isso daí, disponibiliza amanhã às 5h da tarde, tá?”, diz Gomes em um áudio enviado na tarde do dia 28 de dezembro ao superintendente da Receita em São Paulo, José Roberto Mazarin.

A TV Globo e o g1 tiveram acesso a áudios trocados entre funcionários da cúpula da Receita que abordam os esforços de Gomes e a impossibilidade de eles, os servidores, atenderem ao pedido do chefe da forma como estava sendo feito.

As mensagens do chefe da Receita mobilizaram funcionários nos últimos dias do ano, período de recesso, sem êxito. Um deles afirma que estava “chegando na praia”, enquanto outro também diz “estar fora” e sem acesso ao e-mail de trabalho.

Também em dezembro, Jair Bolsonaro, então presidente da República, se envolveu pessoalmente e chegou a conversar com Gomes sobre os itens. Um sargento da Marinha chegou a ser enviado, por ordem do assessor do tenente-coronel Mauro Cid, ao aeroporto de Guarulhos (SP) para tentar retirar as joias no dia 29 de dezembro.

Primeiro, o ex-presidente disse que “a intenção de que as joias fossem retiradas na Alfândega antes do declarante viajar para os Estados Unidos era para não deixar qualquer pendência para o próximo governo e evitar um vexame diplomático” e que esse “vexame” seria “em razão de aparentar descaso com o presente de uma nação amiga, permitindo seu leilão”.

Depois, disse não ter ideia da razão pela qual subordinados seus no governo se empenharam pela liberação. “Que, em razão do tumulto que foram seus últimos dias de governo, sequer teve cabeça para se preocupar com o assunto em questão”, afirmou Bolsonaro em depoimento.

Também em depoimento à Polícia Federal, Gomes afirmou que à época em que o pedido foi realizado os bens já pertenciam, de forma definitiva, à União.

Da praia, número 2 da Receita diz que chefe está ‘numa pressão danada’

O ofício havia sido assinado pelo então ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, e endereçado ao chefe da Receita, numa tentativa de passar por cima dos protocolos oficiais e obter a liberação das joias milionárias que ainda estavam retidas em Guarulhos.

Minutos depois, Gomes passou a enviar mensagens de áudio por aplicativo de mensagens ao então superintendente da Receita em São Paulo, José Roberto Mazarin.

Mazarin, por sua vez, se comunicou, também por mensagem de áudio, com o subsecretário-geral da Secretária Especial da Receita, José de Assis.

“Eu estou chegando na praia, Mazarin, aí eu vou encaminhar, ele mandou para mim. Vou mandar esse ofício para ti pelo Outlook para você. […] Ele está numa pressão danada para ver se consegue resolver esse negócio ainda hoje”, afirma Assis, em um áudio enviado na tarde do dia 28.

O contexto da troca e outras mensagens obtidas indica que quem estaria numa “pressão danada” é Gomes, o então chefe da Receita. Ele foi indicado pelo governo Bolsonaro para assumir um cargo na Embaixada do Brasil em Paris, mas a nomeação foi revogada no governo Lula.

Superintendente: atender o pedido do chefe da Receita é ‘inexequível’

Ainda na tarde do dia 28 de dezembro, Mazarin, superintendente da Receita em São Paulo, explica ao subsecretário Assis que não seria possível atender ao pedido solicitado no ofício, porque ainda faltava um documento.

“A entrega disso aqui da forma como tá sendo pedido é quase inexequível, porque ainda não tem a ADM”, diz Mazarin, em referência a um documento necessário.

Chefe da Receita diz que fala com ajudante de ordens de Bolsonaro

Enquanto isso, ao longo da tarde do dia 28, o chefe da Receita envia uma série de áudios para o Superintendente da Receita em São Paulo, Mazarin.

No primeiro áudio, Gomes explica o ofício assinado por Mauro Cid e enviado anteriormente por e-mail. Ele diz que vai encaminhá-lo dando o “ok dele” para que, então, o superintendente fizesse um documento, “o termo de doação”, para a liberação das joias.

“Cara, faz esse favor aí, bota todo mundo pra trabalhar de forma que a gente consiga cumprir isso daí, disponibiliza amanhã às 5 da tarde, tá?”, diz Gomes, explicando na sequência que, no ofício, estava o nome da “pessoa que vai pegar” — o do primeiro-tenente da Marinha, Jairo Moreira da Silva, que, no dia seguinte, embarcou em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para cumprir a missão.

No mesmo áudio, o chefe da Receita explica que o “material” a ser buscado veio como uma “oferta” da Arábia Saudita “para o chefe de Estado brasileiro, no caso, o Bolsonaro”.

Ele afirma que o que cabe à Receita dizer é que “o produto foi apreendido, o produto se destinava ao presidente da República” e, então, realizar o trâmite para a “doação” ao “órgão da União, que é esse aí do acervo histórico”.

Horas depois, Gomes envia outro áudio para Mazarin, desta vez para explicar que um avião da FAB chegaria em São Paulo para “pegar esse item”. “Se for para entrega, está mais do que seguro, vão os caras do Exército aí para pegar”, diz ele.

Menos de um minuto depois, o chefe da Receita manda mais um áudio ao servidor, dizendo que passaria o contato do “coronel Cid, que é lá da Presidência da República”. Cid é o tenente-coronel Mauro Cid, braço direito do ex-presidente.

“Na verdade, essa comunicação está sendo feita entre eu e ele”, diz Gomes. “Aí eu acho que é importante também ter o telefone dele.”

Funcionários da Receita se preocupam com o valor do item a ser liberado

Na noite do dia 28 de dezembro, o subsecretário Assis e o superintendente Mazarin voltaram a trocar mensagens de áudio sobre o pedido feito pelo chefe da Receita.

Assis confirma que está faltando um documento para a liberação e emenda: “Eu vou dar uma olhada num ofício que eles remeteram, mas tem uma série de documentos, pô, que já transitam, já tramitou com fotos, ofício. Vou passar pra você, mas enfim, deixa rolar também, né?”.

Ele segue: “Não sei o nível de conforto que o pessoal tá, né, pra fazer essa questão aí”, em uma possível referência ao restante do corpo técnico da Receita no Aeroporto Internacional de Guarulhos, onde estavam as joias retidas.

O superintendente em São Paulo, por sua vez, responde que estava “fora” e, por isso, ainda não tinha visto o e-mail. No áudio, ele também parece fazer uma referência aos funcionários da alfândega:

“Mas o pessoal quer fazer muito bem feito e tem preocupação pelos valores, pela situação, por tudo que aconteceu. Então, quer fazer todos os registros, fazer certinho, incorporação para a União, né?”, diz Mazarin.

Depois, ele pergunta se o documento que falta iria ser disponibilizado e menciona a equipe responsável pela elaboração do documento.

O subsecretário Assis responde que a preocupação com o valor da mercadoria é “pertinente”, mas que, independentemente do preço, eles estariam “incorporando a mercadoria para o patrimônio público, que é a Presidência da República”.

“A gente tem que olhar a documentação, verificar, de fato, que comprova que é da União, e a partir daí, porque o valor assusta de fato né, um colar, acho que um colar de um milhão de euros, se eu não me engano, é assustador né, de fato. Mas se é da União, encaminha-se à União”, diz Assis.

Não está claro, nem pelo ofício assinado por Mauro Cid e nem pelas mensagens trocadas pelos funcionários da Receita, se a tentativa de incorporação das joias de R$ 16,5 milhões era, de fato, ao acervo público da Presidência ou ao acervo pessoal de Jair Bolsonaro.

A Polícia Federal ainda está investigando qual seria o verdadeiro destino dado às joias, caso elas tivessem sido retiradas da alfândega.

Um segundo pacote de joias que veio na mesma comitiva governamental em outubro de 2021 e não foi declarado à Receita chegou a ser recebido pessoalmente pelo então Presidente da República. No último dia 24 de março, a defesa de Jair Bolsonaro devolveu os itens deste segundo pacote por determinação do Tribunal de Contas da União.

No dia 29 de dezembro, chefe da Receita volta a pressionar funcionários pela liberação

No dia 29 de dezembro, Gomes, então chefe da Receita, manda uma nova mensagem de áudio por WhatsApp ao Superintendente do órgão em São Paulo, dizendo que entre 17h e 20h, um “avião da Força Aérea Brasileira” iria até Guarulhos para “cumprir essa missão”.

“O coronel me passou agora esse pedido, precisa saber quem procurar, quem vai estar lá. (…) Só queria saber a quem procurar”, diz Gomes, em referência a mais um pedido do tenente-coronel Mauro Cid. “Se você souber o nome do chefe ali da alfândega que vai estar presente, aí tu me avisa, por favor.”

Horas depois, em mais um áudio a Mazarin, Gomes diz que enviou um e-mail para o subsecretário da Receita, Assis. O e-mail seria para, nas palavras dele, “dar essa tranquilidade aí para aqueles que estão trabalhando nesse processo de trabalho e pra mostrar também a urgência”.

O então chefe da Receita termina dizendo ao superintendente que seria importante que Mazarin transmitisse “esse e-mail para todos” os envolvidos em uma troca anterior.

O que dizem os citados

A defesa de Júlio César Vieira Gomes afirmou que o áudio deixou claro que o cliente pediu que o superintendente adotasse medidas para a realização de um processo rápido, que respeitou os caminhos legais. Afirmou ainda que Gomes também deixa claro que o bem seria destinado a órgão público da própria União, que a conclusão foi a de que o pedido não deveria ter sido atendido e que a incorporação das joias não foi realizada.

A defesa de José de Assis afirmou que caso os documentos mostrassem que o pedido era de incorporação ao patrimônio público da União, e não a acervo privado, não haveria problema em atender.

O g1 procurou a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, que não respondeu até a publicação desta reportagem.

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Fonte G1 Brasília

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