Artigo
Por trás da fachada de estabilidade e prosperidade vendida pelo grupo político que comanda Mato Grosso, trava-se uma silenciosa — porém feroz — disputa pelo controle do futuro. O que antes parecia um condomínio político blindado, onde interesses empresariais e projetos de poder conviviam sob o mesmo teto, agora expõe rachaduras profundas. E elas ameaçam derrubar não apenas o arranjo que deu sustentação aos dois mandatos do governador Mauro Mendes, mas também a hegemonia de um bloco que, desde os anos 2000, se acostumou a mandar — e desmandar — no Estado.
O epicentro dessa tensão atende pelo nome de Otaviano Pivetta. Vice-governador, empresário bilionário, ex-prefeito de Lucas do Rio Verde e sócio antigo da engrenagem que mistura agronegócio e política em Mato Grosso, Pivetta já não disfarça que quer mais. Quer o comando. E quer sem as amarras que hoje o prendem ao script montado por Mauro Mendes e sua esposa, a influente primeira-dama Virgínia Mendes.
O Carro da Arrogância
A fotografia mais reveladora dessa mudança de tom veio em forma de vídeo: Blairo Maggi, ex-governador e ex-ministro da Agricultura, aparece sorridente dentro de um carro no Piauí. Ao volante, ninguém menos que Pivetta. Ao lado, Maurinho Carvalho, o onipresente Eraí Maggi e o anfitrião da comitiva, o empresário Cornélio. A cena parecia apenas mais uma incursão do “grupo econômico” pelo Brasil profundo — não fosse por uma frase solta com ares de sincericídio: “Aqui no Piauí nós ainda não mandamos”.
Foi Pivetta quem disse. E disse com a naturalidade de quem se acostumou a mandar em Mato Grosso — ou pelo menos a dividir o bastão com seus pares. A frase repercutiu mal. Não apenas pela arrogância embutida, mas porque escancarou o que muitos preferem manter nos bastidores: o poder hoje é exercido por um consórcio empresarial travestido de projeto político. E esse consórcio está em guerra interna.
Rompimentos e Recados
Nos bastidores, Pivetta já sinalizou que, ao assumir o governo em abril de 2026 — quando Mauro deve renunciar para disputar o Senado —, pretende fazer uma faxina. A começar pelo entorno da primeira-dama, Virgínia Mendes, cuja estrutura política e social passou a incomodar parte do grupo. Não são poucas as críticas, nos bastidores, à ostentação e à centralidade política exercida por ela. Fontes revelaram a esse blog que Pivetta, pragmático e direto, mandou avisar: Virgínia será a primeira a sair.
O recado bateu forte no Palácio Paiaguás. A primeira-dama não gostou nem um pouco das movimentações do vice, sobretudo de sua passagem pelo interior do Estado com a Deputada Estadual Janaína Riva durante o período em que assumiu interinamente o governo. A viagem foi lida como ensaio de campanha. E mais: como sinal de autonomia.
Mauro e Cidinho: a resistência
Mauro Mendes, até então inclinado a cumprir o acordo de entregar a cadeira ao vice, agora titubeia. Irritado com a movimentação de Pivetta, busca nova composição. E recorre a seu animador preferido: Cidinho Santos, empresário do setor de combustíveis, ex-senador, hoje inelegível até 2027, mas ainda assim figura central no jogo. Cidinho é o símbolo do estilo de liderança que dominou o grupo nos últimos anos — irreverente, influente e, acima de tudo, fiel a Mauro.
Mas Cidinho e Pivetta não se suportam. E o ódio é recíproco.
Essa animosidade pode ser o estopim do “tsunami eleitoral” que se desenha para 2026. O bloco está dividido, os interesses são conflitantes e o projeto de poder, que antes se impunha com facilidade, agora enfrenta resistência — interna e externa.
Correndo por fora
Enquanto os “sócios” brigam, outros atores observam com atenção. O senador Wellington Fagundes, o empresário Balbinotti e até Antônio Galvan, que já flertou com o bolsonarismo raiz, enxergam uma janela se abrindo. Sabem que a população mato-grossense já não se impressiona com jatinhos, helicópteros, ostentação e frases arrogantes ditas em viagens bancadas por grupos econômicos.
A política em Mato Grosso está em ebulição. E, como sempre, quando os barões brigam, é o campo que sente o tremor. A diferença é que, desta vez, os tremores vêm de dentro da casa-grande.
A sucessão de Mauro Mendes já não é um plano traçado a régua e compasso — virou disputa societária. E como toda sociedade rachada, o risco de dissolução é alto. Altíssimo.
Popó Pinheiro
Jornalista e Gestor Publico