O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou que deve ser discutida na Corte se é possível ou não aplicar a Lei de Anistia a crimes que tiveram início na ditadura, mas cujos efeitos ainda se consumam no presente ? os chamados “crimes permanentes”. Na decisão Dino citou o filme “Ainda estou aqui” (leia mais abaixo).
O ministro avalia que é o caso de aplicar à questão a chamada “repercussão geral”? sistema em que o STF, ao julgar um processo, aplica o entendimento a casos semelhantes em instâncias inferiores da Justiça. Ainda não há data para análise da repercussão geral.
O ministro é o relator de um caso que discute crimes ocorridos durante a guerrilha do Araguaia ? de homicídio cometido por Lício Augusto Ribeiro Maciel e de ocultação de cadáver praticado por Sebastião Curió, ambos do Exército Brasileiro. Curió morreu em 2022. O processo busca a condenação de Maciel.
Na primeira instância da Justiça Federal, a denúncia do Ministério Público Federal foi rejeitada, sob a alegação de que o delito se enquadrava na Lei de Anistia.
A decisão da primeira instância foi mantida no Tribunal Regional Federal da Primeira Região.
O caso chegou neste ano ao Supremo, após recurso do MPF. Caberá à Corte avaliar se aplica o sistema de repercussão geral e decide o caso.
A questão envolve os chamados crimes permanentes, aqueles em que a consumação se prolonga no tempo. Ou seja, começam em uma data e continuam a serem cometidos por um período de tempo. A ocultação de cadáver é um exemplo deste delito.
Dino sustentou que o crime persiste quando se mantém em segredo a informação do paradeiro do desaparecido.
?A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante?, pontuou.
O relator deixou claro que a proposta não é rever a decisão do Supremo sobre a Lei de Anistia, mas discutir o alcance da legislação para uma situação específica
?O debate do presente recurso se limita a definir o alcance da Lei de Anistia em relação ao crime permanente de ocultação de cadáver?, ponderou.
?Destaco, de plano, não se tratar de proposta de revisão da decisão da ADPF 153, mas sim de fazer um ‘distinguishing’ [distinção] em face de uma situação peculiar?, prosseguiu.
?No crime permanente, a ação se protrai no tempo. A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei da Anistia?, completou.
A lei em discussão concedeu anistia a crimes políticos e delitos relacionados ocorridos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. A questão é saber se, no caso de crimes permanentes, que continuam acontecendo ao longo do tempo, a lei ainda pode ser aplicada.
No caso específico, o debate envolve saber se a continuação do crime de ocultação de cadáver ocorrida após 1979 pode ser punida. A decisão, Dino cita o filme ?Ainda estou aqui? e fala da dor de parentes de desaparecidos na ditadura.
?No momento presente, o filme ‘Ainda Estou Aqui’ ? derivado do livro de Marcelo Rubens Paiva e estrelado por Fernanda Torres (Eunice) ? tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho?, relatou.
– Esta reportagem está em atualização
Fonte G1 Brasília