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Eleições 2022: a igreja evangélica que manda fiéis votarem nulo: ‘Se não aceitarem, procurem outra’

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Está registrado no credo oficial da Igreja Batista Renovada Moriá, artigo 29: “Cremos que a igreja e seus membros não devem envolver-se em política ? votando ou sendo votado”.

Está na fala do pastor: “Esclarecemos aos que em nosso meio querem votar em Bolsonaro qual é a nossa posição sobre o voto. Se não quiserem aceitar, devem procurar uma igreja como pensam”.

E ele vai além: “Quem, porém, defender Lula, tem que sair sem conversa (?) Quem simpatiza com o petismo tem que nascer de novo e ser liberto das trevas. Sem isso, não deve ir para qualquer igreja”.

Um dos fiéis contextualiza a proibição ao exercício do voto a membros da igreja, que tem 14 templos em Fortaleza (CE), sob condição de anonimato.

“Na minha igreja, não podemos votar. O voto precisa ser anulado”, diz à BBC News Brasil.

“Mas o pastor tem muita simpatia pelo Bolsonaro. A orientação é a saída da igreja para quem vota em Bolsonaro e, para quem vota em Lula, não ir para nenhuma igreja porque, segundo o pastor, essa pessoa não é filha de Deus.”

O direito universal ao voto, direto e secreto, é garantido no Brasil pela Constituição e pelo Código Eleitoral.

Glauco Barreira Magalhães Filho, pastor e presidente da igreja, também é advogado, professor de Direito na Universidade Federal do Ceará e membro da Academia Cearense de Letras Jurídicas.

A reportagem o procurou insistentemente por e-mail, telefone e redes sociais. Ele não atendeu às ligações, não respondeu às mensagens e bloqueou o repórter em seus perfis online.

Em textos autorais, Barreira diz que fiéis não devem “dar voto a nenhum dos candidatos”, nem aceitar “qualquer aproximação entre igreja e política partidária”.

Mas no Facebook, onde tem 4,9 mil amigos e 1.928 seguidores, ele publica críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral e a favor de um golpe militar e, em contraste com o veto à liberdade de voto na igreja, mostra simpatia pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto compartilha imagens qualificando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como “rato barbudo”.

A BBC News Brasil também procurou a reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC) e a direção da Faculdade de Direito. Ambas não comentaram a conduta religiosa do professor.

‘Coagir alguém a votar ou não’

Em artigo publicado em jornal ligado à igreja em 2011, o pastor e professor afirma que fiéis não podem votar, nem apoiar candidatos ou concorrer a cargos.

“Pelo fato de a política deste mundo estar sob a influência de Satanás, o príncipe deste mundo (João 14:30) e Deus deste século (II Cor. 4:4), não devem os cristãos se envolver com ela, quer sendo cabo eleitoral, candidato ou eleitor.”

Ele completa: “Devemos ir às urnas em obediência às autoridades, mas não devemos dar o nosso voto a nenhum dos candidatos, pois o reino de Deus não é deste mundo”.

Especialistas em Direito Eleitoral consultados pela BBC News Brasil dizem que violações às normas eleitorais por líderes e associações religiosas e candidatos podem levar à aplicação de multas e, em casos graves, a sentenças de prisão e até cancelamento do registro de candidaturas.

O veto da igreja de Fortaleza à liberdade de voto aos fiéis, sob ameaça de saída compulsória da igreja, poderia representar violação do artigo 301 do Código Eleitoral, que proíbe “coagir alguém a votar, ou não votar”.

“Vai se examinar se o grau de coação é um grau importante. Se aquele fiel pensa que, se for expulso da igreja, irá para o inferno, ou coisa do tipo, isso pode ser uma coação grave. Isso tem que ser examinado caso a caso”, explica um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral à BBC News Brasil.

A pena sugerida no artigo 301 é de reclusão de até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

O magistrado também cita lei 9.840, que define compra de votos, entre outros temas.

“É vedado. Você não pode coagir uma pessoa a votar de uma forma ou votar de outra forma. É ilícito”, ele afirma.

A BBC News Brasil recentemente detalhou os possíveis crimes eleitorais associados a ameaças religiosas.

A igreja e seu pastor

A sede da Igreja Batista Renovada Moriá em Fortaleza fica num casarão amarelo emoldurado com pedras e um mosaico azul, verde, marrom e roxo. Atrás do portão, uma placa de madeira traz o nome do pastor e professor universitário: “Rev. Glauco Barreira Magalhães Filho”.

A denominação, que completou 30 anos em Fortaleza em 2018, teria aproximadamente 500 fiéis, segundo relato de um dos seguidores à BBC News Brasil.

A igreja se autodenomina anabatista, mas não integra grupos históricos deste movimento cristão, como os amish e os menonitas.

Nos 48 tópicos registrados em seu credo há regras rígidas:

“Cremos que o homem deve ter cabelo curto e a mulher deve ter cabelo longo”, diz o tópico 18.

“Cremos que joias, pinturas e atavios devem ser repudiados”, afirma o seguinte.

“Cremos que anticonceptivos artificiais e cirurgias para evitar filhos são pecaminosos”, continua o texto.

Glauco Barreira é mestre em direito e doutor em sociologia pela Universidade Federal do Ceará.

Durante a graduação, era visto como “sério, estudioso, ligado em filosofia”, segundo relato de um ex-colega de faculdade à BBC News Brasil. Nas palavras do contemporâneo, com o tempo teria se tornado “uma Damares (Alves) da Academia”, em referência à senadora bolsonarista eleita pelo Distrito Federal.

Coordenou cursos de Direito em faculdades privadas e seu currículo na plataforma Lattes inclui pesquisas em Filosofia do Direito, Hermenêutica jurídica, Teoria do Direito, Direitos Fundamentais e Imaginário Jurídico.

Entre suas áreas de atuação está o direito Constitucional – área dedicada a estudar a Constituição Federal, onde está estabelecido que todos os cidadãos brasileiros têm direito ao voto livre e secreto.

Barreira ganhou projeção nacional em 2013, como professor, quando escreveu no site da faculdade de Direito da UFC que o reconhecimento do casamento homoafetivo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seria um “golpe de estado”.

Neste texto, Barreira associou a atuação do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), citando o então ministro Joaquim Barbosa, ao comportamento de Adolf Hitler.

Atualmente, publica diariamente opiniões sobre as eleições em suas redes sociais.

Recentemente, o professor e pastor divulgou montagem com um retrato do líder da revolução chinesa Mao Tsé-tung junto ao logotipo do TSE, junto aos dizeres: “Mao TSE Tung”.

Em outra, a imagem de uma boca costurada sob as letras “STF” e o seguinte texto: “Muito em breve, se nada for feito, nosso direito sagrado à liberdade de expressão será totalmente tolhido pelo STF”, diz a legenda.

Em um álbum de fotos, incluiu cópia da primeira página do jornal Correio da Manhã de 3 de abril de 1964 – dois dias após o golpe militar.

Um texto adicionado ao facsímile apoiava um novo golpe, convocando pessoas para um ato chamado “clamor pela intervenção” na avenida Paulista, em 2019: “A história demonstra claramente. Por causa do povo em massa nas ruas é que houve intervenção militar”.

Entre diversas falas antivacina, o pastor e professor estimulou seguidores que tomaram imunizantes e tiveram covid a processarem suas empresas.

As dezenas de publicações diárias também promovem suas atividades como pastor. Caso do anúncio de um culto especial que presidiu sobre “O que a bíblia diz sobre a condenação eterna (inferno)?”.

A reportagem perguntou ao pastor e professor de Direito Glauco Barreira Magalhães Filho:

– Por que o senhor veta a seus fiéis – textualmente e durante cultos – a liberdade de voto, sob ameaça de saída compulsória da igreja?

– O Código Eleitoral, como sabe, tipifica como crime “ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar”. Condicionar a presença na igreja ou não à anulação do voto foi entendido como infração à lei, na avaliação de uma autoridade entrevistada pela reportagem. Qual é a sua reação?

– O senhor é professor Associado I da escola de Direito da Universidade Federal do Ceará. É membro da Academia Cearense de Letras Jurídicas. Vê contradição entre sua atuação religiosa e o que ensina e como atua profissionalmente?

Nenhuma das perguntas foi respondida, nem os pedidos de entrevista por telefone foram atendidos.

O artigo 29 do credo da igreja liderada por Batista diz que “membros não devem envolver-se em política (votando ou sendo votado)”.

O trecho inclui uma série de passagens bíblicas como suporte à regra, entre as quais “A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde esperamos ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (FL 3:20).

O pastor e professor definiu a igreja num artigo publicado em novembro de 2016. No texto, ele reitera a relação da denominação que preside com a política.

“A Igreja Batista Renovada Moriá é anabatista. Nem todos os batistas são anabatistas (…) Os anabatistas distinguem-se deles por não aceitarem qualquer aproximação entre a igreja (ou os crentes individuais) e a política partidária.”

Contradição

À reportagem, um dos fiéis da igreja liderada por Barreira narra um rígido processo seletivo para entrada na agremiação.

“Antes de qualquer pessoa ingressar na igreja, ela passa por uma fase de estudos. Caso esteja de acordo e queira ser membro, é submetido a uma entrevista.”

“Se você convencer os pastores e líderes da sua convicção, será aceito.”

A avaliação pode acontecer por escrito ou por meio de entrevistas. Segundo a pessoa entrevistada, caso as regras da igreja sejam descumpridas – a obrigatoriedade de voto nulo nas eleições, inclusive -, o fiel é imediatamente afastado.

“Durante o convívio na comunidade, se o seu comportamento ou atitudes demonstrar o contrário do regulamento interno aceito, o seu nome é expulso do rol de membros.”

A pessoa entrevistada se mostra constrangida pelo posicionamento político do pastor e professor da universidade cearense.

“O pastor determina nossa salvação em relação à nossa simpatia por A ou B, como está escrito na nota dele”, ela diz.

Diz que está “em desacordo com a doutrina” porque vê contradição entre a postura pessoal do pastor e o que ele prega no púlpito.

“Eu acho esquisito o pastor demonstrar tanta simpatia pela direita e ficar sempre debatendo em palestras, encontros, e páginas sociais”, diz.

“Já começou a ditadura nas igrejas.”

– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63351457

Fonte G1 Brasília

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