Em depoimento à polícia, dezenas de golpistas presos justificaram a sua participação na invasão ao Supremo Tribunal Federal (STF), Congresso Nacional e Palácio do Planalto com alegações, sem fundamento ou inconstitucionais, defendidas reiteradamente por Jair Bolsonaro durante o seu mandato presidencial.
Nesta sexta-feira (13), a Procuradoria-Geral da República anunciou que pediu ao STF para investigar o ex-presidente no inquérito que trata dos “autores intelectuais” e instigadores dos atos de terrorismo cometidos em Brasília.
Após serem presos no domingo (8), os bolsonaristas foram interrogados pela Polícia Civil do Distrito Federal e, entre os motivos citados, estão:
- achar que houve fraude nas urnas eletrônicas e não aceitar o resultado das eleições em que Bolsonaro perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva. Desde que começaram a ser usadas, não há qualquer registro de fraude eleitoral. Bolsonaro, que já admitiu não ter provas, ataca o sistema eleitoral e questiona a lisura do processo.
- pedir uma intervenção das Forças Armadas no país. Ao contrário do que argumentam, o artigo 142 da Constituição descreve o funcionamento das Forças Armadas, mas, em nenhum momento, autoriza qualquer poder a convocá-lo para intervir em outro.
- impedir o cerceamento da liberdade de expressão. Diante de atos com pautas antidemocráticas e ataques a outras instituições, Bolsonaro repete ser um defensor da liberdade de expressão. O STF, por sua vez, reitera que a liberdade de expressão “não abriga agressões e manifestações que incitem ódio e violência, inclusive moral”.
- evitar a instalação do comunismo no Brasil, ameaça propagandeada por Bolsonaro sem motivo. Em 13 anos de governo petista, o país continuou sob o regime capitalista.
- não concordar com a “ideologia de gênero“, termo criado por conservadores contrários aos estudos de identidade de gênero. Bolsonaro sempre encampou que haveria uma doutrinação nas escolas sobre o assunto, o que não procede, e já disseminou fake news afirmando que crianças eram ensinadas “a fazer sexo a partir de 6 anos de idade”.
Todas esses pontos emulam o discurso – e, em muitos casos, repetem os termos – de Bolsonaro, que, durante o período à frente do Executivo, inflamou atos golpistas com o uso de violência em diversas ocasiões.
O g1 analisou na íntegra 116 autos de prisão em flagrante e os comparou com declarações e ataques frequentes feitos pelo ex-presidente. Em 17 deles encontrou motivações claramente defendidas por Bolsonaro. Parte dos presos não foi questionada sobre o motivo para a participação nos atos ou, quando indagada, não respondeu.
Veja abaixo a semelhança das declarações dos golpistas com o discurso de Bolsonaro:
1 – Fraude nas urnas eletrônicas
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Depoimentos de presos nos atos de 8 de janeiro de 2023:
“Manifestou-se porque acredita que as eleições foram roubadas e que seu voto para presidente da República foi computado errado. Isto é, votou no Bolsonaro mas saiu que seu voto para o Lula.” Paulo Alves Padilha, golpista preso.
“Diz que o objetivo da manifestação era fazer alguma coisa pelo futuro do país, pois não reconhece o governo que está instalado neste momento. (…) Tinha o objetivo de que houvesse uma verificação da contagem dos votos. Carlos Eduardo Bon Caetano da Silva, golpista preso
“Disse que o motivo da ação é por que não aceitam o resultado das urnas.” José Carlos Galanti, golpista preso
“Que ia para o acampamento ficar apenas observando os manifestantes. Que o declarante acredita que as eleições foram fraudadas e por isso frequentava o local.” Frederico Rosario Fusco Pêssoa de Oliveira, golpista preso
“Por razão da falta de transparência nas eleições.” Jorge Luiz dos Santos, golpista preso
“O objetivo da manifestação é a não concordância com o resultado das eleições.” Marcelo Lopes do Carmo, golpista preso
“Não aceita as eleições porque não foi liberado o código fonte que o Exército disse que, em razão disso, não pode fiscalizar as urnas anteriores ao ano de 2020; que quer transparência das urnas para entregar o código-fonte.” Josino Alves de Castro, golpista preso
“Que o interrogando quer o código fonte, que seja provado que as eleições foram limpas.” Pedro Henrique Gaudencio da Silva, golpista preso
Veja por que essas afirmações não condizem com a realidade:
Desde que as urnas eletrônicas começaram a ser usadas, não há qualquer registro de fraude eleitoral – a Abin, sob a gestão Bolsonaro, já se manifestou neste sentido. O próprio Bolsonaro já admitiu não ter provas de fraude eleitoral.
Além disso, os sistemas utilizados pela Justiça Eleitoral e validados por observadores nacionais e internacionais permitem identificar, sem risco de confusão e com várias camadas de redundância, cada uma das mais de 577 mil urnas eletrônicas utilizadas nas últimas eleições.
Em relação ao código-fonte, como de praxe, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já tinha disponibilizado os dados um ano antes da eleição presidencial. O código-fonte é um conjunto de linhas de programação de um software, com as instruções para que o sistema funcione. A abertura do código permite a inspeção pela sociedade civil.
2 – Intervenção das Forças Armadas
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Depoimentos de presos nos atos de 8 de janeiro de 2023:
“Juntamente com o seus amigos, estava manifestando pela intervenção do Exército para que tomasse o poder”. Watlila Sócrates Soares do Nascimento, golpista preso.
“Disse que o objetivo da manifestação era a intervenção militar.” Carlos Roberto Silva Santos, golpista preso
“Que quer intervenção militar.” Pedro Henrique Gaudencio da Silva, golpista preso
“Depoente estava manifestando, assim como os outros, por intervenção militar contra a corrupção.” Paulo Eduardo Vieira Martins, golpista preso
Veja por que essas afirmações não condizem com a realidade:
O artigo 142 da Constituição não trata de divisão entre os poderes, mas descreve como funcionam as Forças Armadas. Segundo constitucionalistas, ele não dá autorização para que qualquer poder possa fazer uma convocação para intervir em outro.
O texto do artigo 142 é o seguinte:
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
3 – Liberdade de expressão
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Depoimentos de presos nos atos de 8 de janeiro de 2023:
“Interrogado veio a Brasília/DF para se manifestar contra o cerceamento do direito de expressão, inclusive virtualmente.” Lucas Schwengber Wulf, golpista preso
Veja por que essas afirmações não condizem com a realidade:
A liberdade de expressão prevista na Constituição e em pactos internacionais assinados pelo Brasil “não abriga agressões e manifestações que incitem ódio e violência, inclusive moral“, segundo a presidente do STF), ministra Rosa Weber.
4 – Comunismo
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Depoimentos de presos nos atos de 8 de janeiro de 2023:
“A intenção do depoente era que tivesse uma intervenção militar para impedir o comunismo no Brasil.” Sipriano Alves de Oliveira, golpista preso
“Esperava que as manifestações de hoje iriam demover as Forças Armadas para tomar a frente e ajudar o Brasil a escapar do comunismo.” Jaime Junkes, golpista preso
“Disse que o objetivo desta ação era lutar pela liberdade, para que o país não vire comunismo, mas em nenhum momento tinha a intenção de praticar atos violentos, apenas queria se manifestar para que as Forças Armadas fizessem algo para salvar o Brasil, e não deixasse que o presidente acabasse com as famílias e com a religião.” João Raimundo Sobrinho, golpista preso
“Diz que o motivo da ação seria se manifestar civicamente, para libertar o país do governo comunista, porém, de forma pacífica, sem vandalismo ou depredação.” Devison Barbosa Lopes, golpista preso
Veja por que essas afirmações não condizem com a realidade:
Em nenhum momento, Lula sinalizou que pretende implantar o comunismo no Brasil. Nos 13 anos do PT no poder, o país continuou sob o regime capitalista.
5 – ‘Ideologia de gênero’
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Depoimentos de presos nos atos de 8 de janeiro de 2023:
“Com a intenção de ocupar o espaço em frente à Esplanada e se manifestarem contra as leis que estão por vir, assim como pela impunidade que o interrogando acredita existir no país. Afirma não ser homofóbico, mas não concorda com a ideológica de género para as crianças.” Adalto da Silva Araújo, golpista preso.
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Veja por que essas afirmações não condizem com a realidade:
A expressão “ideologia de gênero” não é reconhecida no mundo acadêmico e é usada por grupos conservadores e religiosos em ataque aos movimentos feminista (que prega a igualdade de direitos entre homens e mulheres) e LGBTQIA+, e aos avanços de direitos sexuais e reprodutivos.
Bolsonaro sempre encampou que haveria uma doutrinação nas escolas sobre o assunto para incentivar a homossexualidade, o que não procede, e já disseminou fake news afirmando que crianças eram ensinadas “a fazer sexo a partir de 6 anos de idade”.
Fonte G1 Brasília