O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) retirou de sua página oficial nesta quarta-feira (20) um relatório de auditoria que demonstra como o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atuou para beneficiar a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), entidade próxima do PT, com milhares de descontos indevidos nas aposentadorias (veja imagem abaixo).
O relatório, elaborado pela Auditoria-Geral do INSS, chegou a ser publicado na manhã dessa quarta no site da autarquia. O documento foi removido no início da tarde, algumas horas após a abertura dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, na qual o governo Lula sofreu uma derrota para oposição na definição da presidência e relatoria.
A remoção do relatório também ocorreu pouco depois de o site da revista “Piauí” publicar uma reportagem sobre o documento.
A ordem para retirar o relatório do ar partiu do presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior. A reportagem da Globonews teve acesso ao documento.
Em nota enviada pela assessoria da autarquia, o INSS afirmou que o relatório não tinha sido concluído e foi publicado por uma ?falha de procedimento?.
Por conta disso, seu ?teor não tem validade institucional? (veja a íntegra da nota no final da reportagem). A reportagem tenta contato com a Contag para obter um posicionamento da entidade, mas até a última atualização deste texto não tinha recebido retorno.
A Auditoria-Geral do INSS é um órgão interno que tem autonomia para produzir relatórios de apuração. Esses documentos são produzidos pelo corpo técnico de auditores, sem participação direta de integrantes da diretoria do INSS.
Influência da Contag
A Contag é uma das maiores entidades sindicais do país e exerce forte influência em vários ministérios do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A organização está entre as que mais fizeram descontos nas aposentadorias nos últimos anos.
A oposição usa a relação próxima entre a Contag e o PT para tentar responsabilizar o Palácio do Planalto pelo escândalo do INSS, mas o relatório de auditoria mostra que a entidade também tinha força junto à autarquia na gestão Bolsonaro.
O documento mostra que em 28 de setembro de 2022, em pleno período eleitoral, o então presidente da INSS, Guilherme Serrano, ordenou o desbloqueio, de uma só vez, de 30.211 benefícios para que a Contag pudesse fazer os descontos nas aposentadorias e pensões, sem necessidade de comprovar autorização dos beneficiários.
Na época, o ministro da Previdência e do Trabalho era José Carlos Oliveira, que escolheu Serrano para ocupar o comando da autarquia. Oliveira assumiu a pasta em março de 2022. Antes disso, ele próprio foi presidente do INSS.
As normas da autarquia não preveem a prática de desbloqueio em lote de benefícios e exigem que o aposentado autorize previamente os desbloqueios para os descontos associativos.
?Fui enganado?
Os auditores pediram à Contag os documentos comprobatórios da autorização dos descontos em 3.033 benefícios. A entidade entregou a documentação de 3.028 casos, deixando de apresentar as fichas de apenas cinco aposentados.
Só que a auditoria identificou milhares de casos de aposentados que estavam nesse lote e contestaram a legalidade dos descontos.
Entre outubro de 2022 e maio de 2025, quando a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) realizaram a Operação Sem Desconto, foram 4.355 requerimentos para excluir os descontos. Destes, 2.983 (65%) disseram que nunca autorizaram os descontos nos benefícios.
Após a operação que revelou o escândalo, outros 3.384 aposentados incluídos no lote alegaram não ter autorizado a Contag a descontar as mensalidades.
Em um dos casos, um beneficiário escreveu a seguinte mensagem:
?Fui enganado. O presidente do sindicato em nenhum momento me informou sobre esses descontos. Simplesmente pediu para eu assinar alguns documentos, mas não me informou do que se tratava ou que teria algum desconto em meu benefício.?
Em outro caso, uma aposentada afirma: ?Fui enganada. Me aposentei pelo sindicato e eles não me falaram que iam fazer isso.?
Os relatos citados no relatório batem com outras histórias de descontos nas aposentadorias envolvendo a Contag, como a de uma pensionista do Amazonas que levou 30 anos para descobrir que seu benefício vinha sendo descontado.
Além das contestações dos descontos, houve outros 1.336 casos em que os beneficiários pediram para que seus benefícios fossem bloqueados novamente, ou seja, para que voltassem a ser ?blindados? para os descontos associativos.
Os auditores concluíram que ?os controles instituídos pelo INSS para assegurar a conformidade dos procedimentos, como o serviço de desbloqueio oferecido nos canais remotos e unidades de atendimento, foram desconsiderados na execução do desbloqueio em lote. Isso comprometeu a rastreabilidade, transparência e efetividade das salvaguardas operacionais, agravando os impactos identificados.?
Liberação em lote na gestão Lula
Outro relatório de auditoria, elaborado em 2024, já havia identificado a prática de desbloqueio em lote para favorecer a Contag. Na ocasião, os descobriram a liberação, de uma só vez, em 1º de novembro de 2023, de 34,5 mil benefícios para que os descontos fossem realizados. Este lote foi desbloqueado já na gestão de Lula, quando o INSS era presidido por Alessandro Stefanutto.
Dos quase 35 mil benefícios bloqueados, em apenas 213 (1,7% do total) os aposentados afirmaram que, de fato, haviam autorizado o desconto associativo.
Documentos da Polícia Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre o esquema de fraudes no INSS citam o desbloqueio em lote como uma das práticas ilegais encontradas no decorrer das investigações.
Desbloqueios foram ocultados
Os auditores identificaram uma diferença entre os dois casos de desbloqueio em lote. No de 2023, o pedido da Contag foi formalizado no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do INSS, conforme o trâmite legal. Nele estão todos os ofícios com as demandas da entidade e as respostas da autarquia.
Já no desbloqueio de 2022, os auditores não localizaram nenhum registro dentro do processo SEI, o que indica que as tratativas foram realizadas fora dos trâmites oficiais do INSS. Os técnicos da autarquia só conseguiram descobrir o desbloqueio em lote porque encontraram o pedido feito por uma servidora do INSS à Dataprev, empresa pública que rege os sistemas da autarquia.
A demanda, registrada como ?DM.101310?, foi feita pela coordenadora-geral de pagamentos, Ingrid Ambrozio Camillo, em nome do então presidente do INSS, Guilherme Serrano. ?Considerando e-mail recebido da Contag em 13.09.2022, com autorização da Presidência do INSS, solicito desbloqueio dos benefícios listados em anexo para que sejam efetuados descontos em favor da entidade citada.?
Os auditores concluem que ?o desbloqueio em lote ocorreu sem qualquer formalização que justificasse os pressupostos de direito e de fato que levaram o INSS a autorizar, em desacordo com a norma vigente, o procedimento por meio da demanda DM.101310, pois não foi comprovada a autorização prévia, pessoal e específica dos titulares dos benefícios afetados, conforme alegado pelos próprios segurados?, diz um trecho do relatório.
Nota do INSS
?A página em questão foi retirada do ar por ter conteúdo cuja elaboração não tinha sido concluída pelas autoridades responsáveis, mas que acabou publicado no portal do INSS por uma falha de procedimento. Desse modo, o seu teor não tem valor como documento institucional do INSS, que não atesta a veracidade e a integridade das informações nele contidas.?
Fonte G1 Brasília