O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou, nesta sexta-feira (20), trecho de um projeto de lei que estabelecia a promulgação da Constituição, em outubro de 1988, como marco temporal para demarcação de terras indígenas. O anúncio foi feito pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Lula, no entanto, sancionou trechos da proposta, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro, que definem regras das demarcações.
Lula tomou a decisão após se reunir, na residência oficial do Palácio da Alvorada, com os ministros Padilha, Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas). O prazo para sancionar a proposta terminava nesta sexta.
O veto do presidente será analisado por deputados e senadores, que poderão manter ou derrubar a decisão de Lula. (veja abaixo) Caso os congressistas optem por derrubar o veto, o trecho barrado pelo presidente passa a valer.
O Ministério Público Federal (MPF) defendia o veto integral ao projeto. A nota, elaborada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) do MPF, defende que a aplicação da tese do marco temporal não pode ser feita por meio de lei ordinária.
A 6CCR também alegava que a aplicação da tese restringe garantidos aos indígenas em cláusulas pétreas da Constituição e, por isso, não poderiam ser alterados nem mesmo por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Análise no Congresso
Câmara e Senado terão, na próxima terça-feira (24), sessão conjunta para a análise de vetos. O governo, mais uma vez, buscará acordo com a oposição para votar os vetos que trancam a pauta do Congresso em troca da análise de projetos que liberam créditos extraordinários ao Orçamento da União.
Entre os vetos que podem ser votados estão os feitos pelo presidente Lula no novo arcabouço fiscal. O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse não acreditar que os trechos vetados por Lula no projeto do marco temporal sejam analisados ainda este mês pelos parlamentares.
Na avaliação de Pacheco, os vetos de Lula ao marco temporal poderão ser discutidos em uma ?sessão futura do Congresso Nacional?. O senador disse, ainda, ter recebido sinalizações de lideranças do Senado de que poderão ser mantidos vetos de dispositivos que, para ele, ?nem diziam muito respeito a marco temporal?.
Apesar do veto de Lula ao trecho que define a data da promulgação da Constituição como marco temporal para a demarcação de terras indígenas, Rodrigo Pacheco avaliou que há uma ?tendência? do Congresso em derrubar a decisão.
?O cerne da questão, que é o marco temporal em si, é um tema um pouco mais polêmico, porque é uma tendência do Congresso Nacional em acreditar que ele deve ser incluído no ordenamento jurídico e, aí, o veto será apreciado em sessão oportuna do Congresso Nacional?, afirmou.
Na quinta-feira (19), ainda sem ter conhecimento dos vetos, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), declarou que a análise de trechos vetados da proposta do marco temporal poderia ser negociada com as lideranças de oposição.
Oposição entre STF e Congresso
A tese do marco temporal das demarcações de terras indígenas foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) também em setembro. A tese consiste em definir que só pode haver demarcação de áreas que os povos indígenas ocupavam até o dia da promulgação da Constituição: 5 de outubro de 1988.
O julgamento avaliou o caso concreto da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina ? habitada pelos Xokleng e por outros dois povos, os Kaingang e os Guarani.
Com base no marco temporal, aplicado a partir do governo Michel Temer, em 2017, as demarcações na região foram paralisadas, o que foi contestado pelos indígenas.
Por 9 votos a 2, os ministros do STF concluíram que o marco temporal não condiz com a Constituição e que esse entendimento deve valer para todos os casos sobre demarcações.
Aprovação em resposta
O Congresso Nacional aprovou o projeto do marco temporal como resposta ao STF. A aprovação teve apoio da bancada ruralista.
Os indígenas são contrários ao marco temporal, pois argumentam que muitas comunidades deixaram suas terras porque foram expulsas. O fato de não estarem nas localidades em 1988 não significa que não estivessem nas áreas antes.
Já os parlamentares favoráveis à proposta temem que, sem esse entendimento, terras hoje em mãos do agronegócio possam ser demarcadas como territórios indígenas.
Fonte G1 Brasília