A escalada de tensão entre Venezuela, Argentina e Brasil ganhou um novo episódio neste sábado (7), após o regime de Nicolás Maduro informar ao Ministério das Relações Exteriores brasileiro (Itamaraty) que revogou a autorização para o país representar os interesses argentinos em Caracas.
O Itamaraty respondeu que não pretende “deixar um vácuo” e permanecerá à frente da embaixada até que seja definido um país substituto para representar os interesses argentinos em território venezuelano.
A notificação formaliza o cerco que o regime Maduro impõe, desde a noite desta sexta (6), ao prédio da missão diplomática argentina em Caracas, atualmente dirigido por diplomatas brasileiros. O edifício foi cercado por forças do governo e a energia no local foi cortada.
?O Brasil é encarregado de representar os interesses consulares da Argentina em Caracas desde que o embaixador argentino foi expulso pelo presidente Nicolás Maduro, em 1º de agosto.
- Entenda, nesta reportagem, o que levou ao impasse diplomático entre os três países da América do Sul, o que a decisão representa e o que diz o direito internacional sobre o tema.
Comunicado da Venezuela
Neste sábado, a Venezuela divulgou um comunicado revogando a autorização para o governo brasileiro representar os interesses da Argentina no país.
“A República Bolivariana da Venezuela tomou a decisão de revogar de maneira imediata a aprovação concedida pelo governo da República Federativa do Brasil para exercer a representação dos interesses da República Argentina e de seus nacionais em território venezuelano”, diz um dos trechos.
Ainda de acordo com o comunicado, a Venezuela se viu obrigada a fazê-lo, em função de provas sobre o uso das instalações para “atividades terroristas” e tentativas de homicídio contra o presidente Nicolás Maduro, e contra a vice-presidente Delcy Rodríguez.
A nota ainda menciona que o país está cumprindo os preceitos da Justiça venezuelana e em conformidade com as Convenções de Viena.
Eleição polêmica
A situação começou ainda em julho, com o resultado da eleição da Venezuela. O pleito é alvo de desconfiança de especialistas e autoridades internacionais depois de o presidente Nicolás Maduro, no cargo há 11 anos, ter sido declarado vencedor pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) no fim de julho.
O órgão responsável pelas eleições no país é presidido por um aliado de Maduro. Se o sucessor de Hugo Chávez perdesse, a oposição chegaria ao poder no país após 25 anos.
Maduro foi reeleito com 51,95% dos votos, enquanto seu opositor, Edmundo González, recebeu 43,18%, com 96,87% das urnas apuradas, segundo números do CNE atualizados na tarde desta sexta-feira (2).
A oposição e a comunidade internacional contestam o resultado divulgado pelo órgão eleitoral e pedem a divulgação das atas eleitorais. Segundo contagem paralela da oposição, González venceu Maduro com 67% dos votos, contra 30% de Maduro.
Os Estados Unidos anunciaram que reconhecem a vitória de González na eleição. Os EUA foram seguidos por países sul-americanos nesta sexta. Além deles, Argentina, Uruguai, Equador, Costa Rica, Panamá e Peru não acreditam que Maduro foi reeleito.
O Brasil, por sua vez, não reconhece nem rejeita o resultado da eleição. A postura do país tem sido a de exigir a apresentação das atas eleitorais ? espécie de boletim das urnas ?, o que ainda não foi feito pelas autoridades venezuelanas.
Situação diplomática Brasil X Venezuela
Segundo Leonardo Paz, cientista político do Núcleo de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a decisão do Brasil de não reconhecer o governo venezuelano demonstra um distanciamento na relação entre os dois países.
“A medida do Maduro é uma ‘espetada’, mas a atitude em si não afeta tanto o Brasil enquanto país. Até porque, no momento, o Brasil ainda é o principal interlocutor com a Venezuela”, diz Paz.
“O que a gente pode esperar, daqui para frente, é outra ação do Maduro contra a oposição. Essa ação vai ter um eco internacional, e a depender da reação, Maduro vai retaliar oficialmente. Acho que é o que podemos esperar, na sequência, em relação à Venezuela”, prossegue o especialista.
Expulsão do embaixador
Em agosto, o governo Venezuelano expulsou todo o corpo diplomático de sete países, entre eles a Argentina, após líderes das nações afirmarem que a reeleição de Maduro não foi legítima e que o pleito, no fim de julho, foi fraudado.
Além da Argentina, foram expulsos os representantes do Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai.
Na diplomacia, quando um país tem um embaixador expulso, pode pedir para outra nação representar os interesses de seus cidadãos no local. Foi o que Argentina fez.
A chanceler argentina, Diana Mondino, solicitou ao ministro brasileiro Mauro Vieira que diplomatas brasileiros assumissem a função em Caracas. Da lista, o Peru também contou com a ajuda do Brasil para representar seus interesses mais imediatos ? a proteção de prédios e de cidadãos, por exemplo.
O que isso representa?
Na prática, ao defender os interesses diplomáticos de outro país, o Brasil atua para resguardar a inviolabilidade das instalações e dos arquivos argentinos na Venezuela.
Ou seja, isso significa que funcionários da diplomacia brasileira poderiam atuar nas instalações argentinas, contribuindo para a proteção de prédio e a favor dos interesses dos cidadãos daquele país em território venezuelano.
As necessidades básicas dos embaixadores ficam por conta de funcionários locais venezuelanos, contratados pela Argentina, que têm liberação de sair e voltar para a casa onde fica a embaixada.
Quem está na embaixada?
A ajuda do Brasil também se dará no esforço para encontrar um destino para seis asilados venezuelanos que estão refugiados na Embaixada Argentina em Caracas.
Eles são opositores ao governo de Nicolás Maduro. E devem, com a ajuda do Brasil, ser transferidos para embaixadas de outros países, como as de membro da União Europeia.
Fonte G1 Brasília