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O presidente ‘linha-dura’ que virou um dos líderes mais populares do mundo nas redes

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De São Paulo, o enfermeiro Fábio da Silva, de 39 anos, acompanha atento a política de um país sobre o qual, até pouco tempo atrás, ele sabia pouca coisa: El Salvador.

São mais de 6 mil quilômetros entre a maior cidade do Brasil e esse que é o menor país da América Latina em área territorial. Mas o interesse do brasileiro está a apenas alguns toques no celular: a atuação e as redes de Nayib Bukele, o polêmico presidente do país, eleito em 2019, aos 37 anos.

“Ele foi algo novo, diferente, que apareceu na política”, defende o seguidor brasileiro, que não se considera nem de direita, nem de esquerda. “É um fenômeno mundial”.

Silva não é o único a achar isso. Diariamente, as caixas de comentários nos perfis de Bukele nas redes sociais são inundadas por elogios de outros latino-americanos. Os comentários dos salvadorenhos chegam a ser secundários.

“Queremos você em toda a América Latina”; “Falta um Bukele no Chile”; “Por favor, vem governar o Paraguai”; “Como fazer para ter clones seus?”…

Segundo um levantamento recente feito pela agência Digitips que circulou nas redes, Bukele é hoje o líder mundial mais seguido no TikTok. Em maio de 2023, eram mais de 5,7 milhões de seguidores, à frente de Lula (4,3 milhões) e do francês Emmanuel Macron (3,9 milhões).

A população total de El Salvador é de cerca de 6,3 milhões de pessoas.

No Instagram, Bukele, com 4,8 milhões de seguidores, só fica atrás de Lula entre os líderes latinos e está bem à frente de mandatários de países muito maiores, como o mexicano Andrés López Obrador e o argentino Alberto Fernandez.

A BBC News Brasil entrou em contato com a Presidência de El Salvador para informações sobre a origem de seguidores estrangeiros de Bukele, mas não obteve resposta.

Mas há algumas dicas: num encontro com uma deputada panamenha em março, Bukele teria dito que o Panamá era o país em que ele tinha mais seguidores no exterior, e uma pesquisa noticiada no Equador colocou Bukele, que nunca visitou oficialmente o país, como mais popular do que qualquer político equatoriano.

O posicionamento ideológico de Bukele é considerado ambíguo, mas suas atitudes acabam atraindo mais eleitores de direita nas redes (leia mais abaixo).

Oscar Picardo, diretor do Centro de Estudios Ciudadanos da Universidade Francisco Gavidia (UFG), em El Salvador, e que acompanha de perto a popularidade de Bukele, avalia que a política “linha-dura” de segurança pública e a “máquina” de propaganda na internet estão por trás desse fenômeno, tanto nacionalmente quanto no exterior.

A decisão de usar a criptomoeda Bitcoin como moeda oficial do país, em setembro de 2021, também fez El Salvador e Bukele ganharem as manchetes mundiais e atraírem a atenção de novos seguidores.

De acordo com cálculos da agência Bloomberg, na época, El Salvador comprou 2.546 Bitcoins a um custo de aproximadamente US$ 108 milhões. Em 11 de maio de 2023, essas moedas valiam menos de US$ 70 milhões. O uso geral de Bitcoin pela população também não se popularizou como o previsto. Mesmo com esses resultados, a popularidade do político não foi abalada dentro do país.

Nas pesquisas de popularidade medidas pela UFG, o presidente mantém aprovação estável entre 80% e 90% da população salvadorenha desde que assumiu o poder.

“Ele descobriu, como político, que, se melhorasse os índices de segurança, tinha metade da batalha ganha”, avalia Picardo.

A administração Bukele conseguiu reduzir os índices de homicídios de um país marcado pela violência (veja dados abaixo), segundo dados do governo, e a população de El Salvador vem relatando uma certa normalidade que há décadas não se via, quando se encontrava em meio aos conflitos entre gangues nas ruas ? chamadas por lá de “pandillas”.

Ao mesmo tempo, há mais de um ano, o país vive um “regime de exceção” solicitado por um decreto de Bukele e aprovado pelo Congresso após a morte de 87 pessoas num único fim de semana em 2022.

O regime é prorrogado pelo Congresso dominado por “bukelistas” a cada mês, desde março de 2022, e suspende uma série de garantias individuais aos salvadorenhos, como o direito de defesa e inviolabilidade da correspondência e a liberdade de associação e circulação. Também tornou possível o Estado interferir nas telecomunicações sem decisão judicial.

A taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu para 7,8 em 2022, a mais baixa da história, segundo o governo ? em 2015, no pior ano, era 100 para 100 mil. Apesar de haver controvérsias sobre os números divulgados, reportagens mostram que a população voltou a circular nas ruas com menos medo das gangues.

Por outro lado, a “guerra” de Bukele deixa efeitos colaterais.

O presidente colocou em execução uma política de encarceramento em massa, levando El Salvador a ter a maior taxa de pessoas presas no mundo. Há dúvidas sobre a sustentabilidade financeira desse sistema, e críticos apontam que ele não resolve a raiz do problema que dá força às gangues na região.

Reportagens de veículos de imprensa, como o salvadorenho El Faro, mostraram que, antes do massacre, membros do governo mantiveram acordos com as próprias gangues. Os EUA chegaram a sancionar membros do governo por conta de negociações com os grupos criminosos Mara Salvatrucha (MS-13) e Barrio 18, segundo as reportagens. O governo salvadorenho sempre negou esses acordos.

Desde o regime de exceção, o governo Bukele prendeu mais de 60 mil pessoas e construiu o maior presídio da América Latina.

Com as medidas aprovadas no Legislativo, foram estabelecidas uma série de regras que facilitam as prisões no país, como a não necessidade de ordem judicial ou de o preso passar por audiência com um juiz em até 72 horas.

Em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o vice-presidente salvadorenho assumiu que poderia haver inocentes entre os presos, mas que o “perfeito é inimigo do bom”.

Reportagens de veículos locais e denúncias de organizações de defesa de direitos humanos, como a salvadorenha Cristosal, também relatam prisões arbitrárias e torturas.

Além disso, o presidente, com apoio do Congresso, destituiu juízes e promotores não alinhados ao seu regime por todo o país e alterou a Suprema Corte ao destituir cinco magistrados.

Em tom de ironia sobre as críticas, Bukele chegou a se autodeclarar nas redes como “o ditador mais cool (expressão em inglês para ‘descolado’) do mundo”.

De direita ou de esquerda?

A história política de Bukele começa dentro da esquerda salvadorenha, no tradicional partido Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FLMN).

O grupo surgiu como um movimento de guerrilha nos anos 1980, durante a ditadura civil-militar apoiada pelos Estados Unidos que governava o país. A guerra civil entre os dois lados durou até 1992.

De uma família de origem palestina, Bukele cresceu em torno de figuras importantes do meio político e empresarial de El Salvador. Seu pai era empresário e um proeminente líder muçulmano.

O primeiro cargo para o qual foi eleito, pela FLMN, foi para prefeito da pequena Nuevo Cuscatlán, em 2012. Em seguida, se elegeu prefeito de San Salvador, a capital, antes de tentar virar presidente.

Após embates com membros da FLMN, Bukele decide fundar o seu próprio partido, o Nuevas Ideas. Barrado pela Justiça eleitoral do país nas eleições de 2019, o político tentou fazer aliança com o Cambio Democrátio, um partido de centro-esquerda ? mas que também acabou impedido de ter um candidato. Por fim, conseguiu se eleger com o apoio da conservadora Gran Alianza por la Unidad Nacional (Gana).

No site oficial da Presidência de El Salvador, a biografia de Bukele aponta como um de seus êxitos o rompimento “com o bipartidarismo instaurado desde o pós-guerra”, se referindo à própria FLMN e ao partido direitista Arena, que se dividiram no poder até 2019.

Para o pesquisador Oscar Picardo, como mostram as alianças e sua origem política, “Bukele não tem uma postura muito bem definida em termos de ideologia política”.

Do lado da direita, por exemplo, o presidente foi muito próximo do embaixador dos EUA em El Salvador durante o governo de Donald Trump. E também participou de eventos de liberais e conservadores, como um na Heritage Foundation, nos EUA, onde falou dos valores “compartilhados” com os americanos, na época do governo Trump, e sinalizou críticas à China.

No Brasil, chegou a receber elogios públicos de figuras como Eduardo Bolsonaro.

Já do lado da esquerda, além da origem política na FLMN, quando chegou a dizer que era “esquerda radical”, Bukele hoje tem em Pequim o seu maior aliado em projetos em El Salvador.

“Ele atua conforme as oportunidades, é muito pragmático. Não responde a uma linha de pensamento de direita ou de esquerda. Se hoje é conveniente ser pró-LGBT, ele é. Se não, muda o discurso”, diz Picardo.

Na visão de Fábio da Silva, seguidor brasileiro de Bukele, a admiração pelas ações do presidente é também porque “ele está seguindo o caminho sozinho”: “Ele toma decisões próprias, algumas bem polêmicas, mas que ele acreditou que fossem corretas”.

Apesar dessa dualidade, é perceptível, segundo o pesquisador salvadorenho, que a maioria de seguidores de Bukele de outros países da América Latina é de direita.

“Ele é uma pessoa que antagoniza muito. É muito radical. E seu discurso acaba combinando mais com a direita, como nas críticas aos ‘direitos humanos’, que só as pessoas boas devem ter direitos humanos, e os maus não. Essa política ‘linha-dura’, a posição radical, coincide mais com movimentos fascistas em países como Colômbia e Brasil”.

Fábio da Silva acredita que o que une as pessoas em torno de Bukele é a decepção com a política tradicional, a corrupção nos governos tradicionais, a impunidade e a insegurança nos países latinos.

“Tudo isso afeta todas as pessoas, independentemente da classe social. Cada vez mais as pessoas estão desacreditadas em órgãos de direitos humanos. Isso vai cansando todo mundo. Quando você vê algo novo e com resultados, aí une todo mundo”, diz o enfermeiro.

A falta de alinhamento ideológico de Bukele com figuras internacionais fica evidente em outras atitudes.

Na pandemia, por exemplo, Bukele tomou medidas muito diferentes de líderes de direita como Trump e Jair Bolsonaro, ao tentar promover um rigoroso lockdown.

Por outro lado, o presidente faz uma “guerra” contra os veículos de comunicação, contra críticos e defende a tomada de outros poderes, como o Judiciário.

Em 2020, antes das eleições que lhe deram maioria no Congresso, ele invadiu a casa legislativa com militares armados para exigir liberação de recursos para combater as gangues.

“Ou seja, não tem nenhum freio. Conseguiu em dois anos o que Daniel Ortega só conseguiu em 15”, opina Picardo, se referindo ao presidente de esquerda da vizinha Nicarágua.

Para admiradores que fazem coro nos comentários das redes, o controle sobre todas as instituições do país é válido. “Como acontece no Brasil, essas pessoas se enraízam no poder de alguma forma. Alguns métodos são polêmicos, mas o resultado é espetacular”, diz Fábio da Silva.

Poder midiático

Antes de se tornar político, Bukele era publicitário e dono de uma agência, o que, segundo Picardo, inspirou a forma como ele se comunica com a população do país e fora dele.

“A cada dia aparecem ao menos 100 vídeos no Youtube apoiando suas ideias. É uma maquinaria muito sofisticada e grande”, conta o pesquisador.

“Por isso, está chegando a muitos países e criadores de conteúdo, na Costa Rica, no México, na República Dominicana, na Colômbia. E obviamente eles maximizam muitas coisas que não são reais e criam uma imagem santa dele”.

O material audiovisual de Bukele inclui imagens aéreas bem produzidas de obras inauguradas, fotos com a família, reportagens internacionais que o mencionam, além de vídeos mostrando o encarceramento em massa em estilo cinematográfico.

“É como se fosse um espetáculo”, diz Picardo. “Ele se locomove com uma equipe gigante de comunicações. Acredito que não há no mundo um presidente que ande com uma caravana como a dele, com 14 carros”.

A BBC News Brasil questionou a Presidência de El Salvador sobre a estrutura da equipe de comunicação do presidente, mas também não obteve resposta.

Para Oscar Picardo, os cinco anos de Bukele no poder, com essa intensa campanha de comunicação, gerou uma espécie de culto.

“É quase uma religião. Qualquer pessoa que critica Bukele recebe uma onda de trolls, de gente a te insultar. É incrível. É como se ele tivesse a verdade em tudo”.

O próprio Picardo diz que abandonou o Twitter para ficar “mais tranquilo”e fazer seu trabalho com as pesquisas de opinião.

Vanessa Matijascic, pesquisadora de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e que estuda a história de El Salvador, ressalta ainda que as redes de Bukele focam na divulgação das medidas de segurança pública.

“As redes amparam um discurso contra as organizações de direitos humanos e contras as organizações internacionais que criticam as medidas do presidente. E disseminam que o único caminho para melhorar o país é pela militarização da segurança pública”.

Reeleição

Mas até quando essa relação de devoção à figura de Bukele em El Salvador e na América Latina deve durar?

Pesquisadores do país vêm relatando uma “bomba-relógio” da política de encarceramento em massa, tanto pelos gastos de se manter a maior população carcerária do mundo quanto pelas consequências de se ter tantos homens reunidos num ambiente hostil como a prisão.

“E a raiz do problema não foi resolvida, já que aqui há muitas crianças que deixam a escola, e são elas que nutrem as gangues”, diz Oscar Picardo.

No fim do ano passado, o governo salvadorenho anunciou o programa Mi Nueva Escuela, uma reforma educacional que pretende remodelar as escolas.

A economia, como mostra o exemplo da medida envolvendo o Bitcoin, é também um “calcanhar de Aquiles”. “Mesmo o projeto de criptomoeda ter sido um fracasso, não afetou a popularidade”, diz Picardo.

Apesar de El Salvador não ter a possibilidade de reeleição permitida na Constituição do país, Bukele já disse que vai tentar um novo mandato nas eleições de 2024. E, sem freios institucionais para impedi-lo de permanecer no poder, o país pode ter mais cinco anos de seu governo.

“Creio que, para estas eleições, não haverá uma competição. Não há ninguém que vá causar dano a Bukele estatisticamente”, adianta o pesquisador.

Fonte G1 Brasília

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