A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que autorizou operação da Polícia Federal (PF) contra a “Abin paralela” e que realizou busca e apreensão em endereços ligados ao vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, aponta que, de mais de 60 mil acessos, o programa de espionagem First Mile obteve acesso de dados de geolocalização de celulares em 21 mil.
A decisão diz: “(…) que os dados da ferramenta First Mile periciados ‘demonstram a realização de 60.734 (sessenta mil, setecentos e trinta e quatro), realizadas no período de 06/02/2019 até 27/04/2021, dentre as quais somente 21.309 (vinte um mil, trezentos e nove registros) retornaram as respectivas GEO localizações’?.
A decisão ainda aponta que o uso do sistema First Mile “apresentou discrepância” em outubro de 2022, mês das eleições daquele ano. Das 60.734 consultas constantes, 30.344 foram realizadas no período eleitoral de 2020.
O número de acessos ao programa para obter os dados não significa que essa é a quantidade de dispositivos móveis monitorados ilegalmente. De acordo com apuração do blog da Natuza Nery, cerca de 1,5 mil números de telefones foram alvo de espionagem, segundo dados obtidos pela investigação da Polícia Federal (PF).
A suspeita da PF é que o software tenha sido usado para monitorar ilegalmente autoridades e desafetos do ex-presidente Bolsonaro, como ministros do STF, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e uma promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) que investigava milícias (inclusive Adriano da Nóbrega e homenageado por Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente) e as mortes de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
O monitoramento também teve como objetivo, segundo a decisão de Moares, favorecer Jair Renan e Flávio em investigações das quais eram alvos. Em entrevista na sexta (26), o senador Flávio Bolsonaro (PL) negou qualquer favorecimento.
O que se sabe sobre o First Mile
Desde março de 2023, o g1 tenta contato com representantes da Cognyte, mas a empresa não tem retornado aos nossos contatos. Em seu site, ela diz ser “líder de mercado em software de análise investigativa”, mas não apresenta informações do First Mile.
Em maio de 2019, a Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate) atestou que a empresa Suntech é a representante e “desenvolvedora do VERINT First Mile ? Geolocalização Celular Remota” no Brasil. A Abin não informou se adquiriu o software com a Suntech. O g1 também não conseguiu contato com a representante.
Até aqui, as informações sobre o software dão conta de que:
- o First Mile permitia o monitoramento de até 10 mil donos de celulares a cada 12 meses. Bastava digitar o número do contato telefônico desejado no programa, de acordo com “O Globo”. A tecnologia localizava aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G.
- Segundo a Data Privacy Brasil, além de identificar a localização aproximada dos dispositivos, o sistema era capaz de gerar alertas sobre a rotina de movimentação dos alvos de interesse.
- Reportagem da revista “Forbes”, de dezembro de 2020, que denunciava empresas israelenses que capturam dados de localização de pessoas em vários países, disse que a Cognyte/Verint comercializa todo tipo de ferramenta de espionagem. A partir do número de telefone da pessoa, uma das tecnologias vendidas poderia localizar o indivíduo por meio de torres de celular próximas.
- A “Forbes” apontou que, para isso, segundo fontes anônimas, a Cognyte/Verint explora o sistema de vendas de anúncios online.
Fonte G1 Brasília