O portal UOL entrou com uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (23) contra a decisão do desembargador Demétrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que determinou a retirada do ar de reportagens que tratavam da compra de 51 imóveis em dinheiro vivo pela família do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A decisão do desembargador está sob segredo de Justiça e atendeu a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O g1 teve acesso à reclamação do UOL, também sigilosa. O relator no STF será o ministro André Mendonça.
No documento, o UOL afirma que as matérias agora retiradas do ar são lícitas e tratam de “assunto de notório interesse público”.
?As premissas da decisão estão equivocadas e a censura imposta ao UOL é evidente e desautoriza o entendimento estabelecido pelo Supremo Tribunal na ADPF 130, ao restringir o livre exercício da atividade de imprensa e de comunicação?, diz a defesa do portal.
Os advogados pedem que a decisão do desembargador seja suspensa até o julgamento final da questão pelo STF e que as reportagens sejam recolocadas no ar enquanto isso não acontece.
Na decisão que ordenou a retirada das reportagens do UOL, o magistrado disse entender que os textos, escritos pelos jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, se basearam em uma investigação anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mais cedo, o UOL já havia informado que cumpriria a decisão, mas via censura no caso e recorreria na Justiça. Confira, no vídeo abaixo, as principais informações reveladas pelo UOL nas reportagens agora fora do ar:
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O que dizem as reportagens?
As reportagens consideravam o patrimônio do presidente, dos três filhos mais velhos, da mãe, de cinco irmãos e duas ex-mulheres no Distrito Federal e nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo o texto, são 107 imóveis, dos quais 51 foram comprados com dinheiro vivo. Em valores corrigidos pela inflação, o montante equivale hoje a quase R$ 26 milhões, de acordo com a reportagem.
A lista de imóveis inclui propriedades que foram citadas nas investigações sobre um suposto esquema de “rachadinhas” envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro, entre 2003 e 2018.
Um dia após a divulgação das reportagens, o presidente Jair Bolsonaro se irritou ao ser questionado sobre a compra de imóveis com dinheiro vivo. “Qual é o problema de comprar com dinheiro vivo algum imóvel? Não sei o que está escrito na matéria. Qual o problema? Investiga, meu Deus do céu, investiga”, afirmou.
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Reações
Em nota, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) repudiou a decisão do desembargador.
Para a entidade, “o fato dos acontecimentos não terem passado ainda pelo crivo da Justiça não impede que o jornalismo aponte a suspeição dos mesmos, ainda mais quando envolvem pessoas públicas, ocupantes de cargos no Executivo e no Parlamento, que cujas ações devem e podem estar sempre sujeitas ao escrutínio da imprensa e da sociedade”.
“A censura imposta às matérias vai contra a liberdade de imprensa, que a própria Justiça deveria proteger, e ataca, mais uma vez, um dos mais importantes pilares da democracia”, diz a nota.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) considerou “gravíssima” a decisão. De acordo com a entidade, o ato foi “um ataque a toda imprensa brasileira”.
Para a associação, é “de interesse de toda a sociedade brasileira ter conhecimento sobre transações suspeitas envolvendo familiares do presidente ? entre eles, três parlamentares”. A Abraji afirmou ainda que, em um contexto eleitoral, “a liminar é ainda mais grave, pois impede o escrutínio público, cerceia o debate e impede o exercício livre da imprensa”.
“O episódio confirma o aumento do assédio judicial contra jornalistas. Segundo o monitoramento da associação, desde 2002 já são 5.641 pedidos de retirada de conteúdo. O tipo de autor mais comum registrado no projeto são políticos, com 3.245 ações”, diz o texto.
Fonte G1 Brasília