A participação das mulheres pode ser determinante e é a esperança da oposição da Turquia no segundo turno da eleição presidencial do país, que ocorre neste domingo (28). Na primeira etapa, Recep Tayyip Erdogan, que está no poder há mais de 20 anos, recebeu 49,5% dos votos, enquanto seu rival e líder da oposição, Kemal Kiliçdaro?lu, recebeu 45%.
A participação das mulheres na política, entretanto, não é novidade na Turquia: além de ter um eleitorado 50,7% feminino, o país foi um dos primeiros a adotar o sufrágio universal, em 1935. No entanto, o governo de Erdogan, muitas vezes apontado como autoritário, as motivou a atuar de forma mais ativa nessas eleições.
“A eleição deste ano mobilizou as mulheres contra Erdogan em um novo nível, com um enorme senso de urgência, desespero e um pouco de esperança”, disse Esra Özcan, especialista da Universidade Tulane, nos Estados Unidos, em entrevista ao g1. “Elas estão fazendo de tudo para evitar que o país caia no autoritarismo total. É como se estivessem colocando todos os seus esforços para evitar que o navio afunde.”
Erdogan perdeu apoiadoras
Uma pesquisa da Fundação da Social Democracia (Sodev) divulgada no início de abril mostra que, de fato, a preferência política das mulheres mudou nos últimos anos. De acordo com o relatório, nas eleições parlamentares de 2018, 38,3% das participantes votaram no partido de Erdogan, Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), e 27,8% no de Kiliçdaro?lu, Partido Republicano do Povo (CHP).
No ano passado, contudo, quando perguntadas em quem votariam nas eleições parlamentares de 2023, o dados apontaram outro cenário. Apenas 26,6% das participantes disseram que votariam pelo AKP (queda de 7,8%), enquanto 30% afirmaram optar pelo CHP (aumento de 2,2%).
A mudança de postura do governo de Erdogan perante os direitos femininos nos últimos anos causou insatisfação em diversas mulheres que antes votavam no líder turco. Segundo Pinar Tank, estudiosa do Instituto de Pesquisa da Paz Oslo (Prio), nos primeiros anos de Erdogan no poder, as mulheres conservadoras tinham mais espaço na vida pública e viram seus direitos evoluírem em algumas áreas.
“Por exemplo, Erdogan possibilitou que alunas muçulmanas usassem o lenço na cabeça nas universidades, o que era proibido em regimes anteriores, considerados mais seculares”, explicou Tank. “No entanto, mais recentemente, os direitos das mulheres foram enfraquecidos à medida que a agenda de valores conservadores religiosos se fortaleceu.”
Violência contra mulher
Um dos grandes ataques aos direitos das mulheres aconteceu em março de 2021, quando Erdogan retirou a Turquia da Convenção de Istambul. O acordo internacional exige que os governos aprovem legislações contra a violência doméstica e abusos semelhantes, bem como leis contra o estupro conjugal.
“Esta decisão do AKP foi vista como particularmente preocupante devido ao aumento acentuado da violência relacionada ao gênero na Turquia nos últimos anos e ao fraco julgamento daqueles que perpetraram a violência”, disse Tank.
Dados coletados pelo instituto turco Vamos Acabar os Feminicídios (KCDP) mostram que, em 2022, o país teve pelo menos 334 feminicídios e 245 mortes suspeitas de mulheres (potenciais femicídios enquadrados como suicídios ou acidentes), um total de 579 mortes. O número representa um aumento de 16% se comparado ao de 2021, quando 497 mulheres morreram ? em 2020, o total de feminicídios foi de 470.
‘Erdogan sempre atacou direitos das mulheres’
Diversas organizações de mulheres ressaltam que, embora muitos só tenham percebido agora, o público feminino já está em risco há anos na Turquia. “Temos alertado a todos desde 2010, mas foi só com a saída da Convenção de Istambul que muita gente percebeu o que estava acontecendo”, afirmou Özgül Kapdan, voluntária da Plataforma de Mulheres pela Igualdade (E??K).
Nos últimos cinco anos, uma aliança do governo com nacionalistas turcos e fundamentalistas religiosos fez o cenário se deteriorar para as mulheres. Em nome dos “direitos da família”, diversas políticas foram aprovadas com base em uma interpretação do Islã feita pelas autoridades.
“Durante esse período, muitas medidas foram tomadas contra o secularismo e os direitos das mulheres, como esforços para descriminalizar o casamento de meninas menores de 18 anos e a inutilização prática do direito ao aborto”, explicou Oya Aydin, advogada da Coalizão de Mulheres da Turquia.
Fonte G1 Brasília